O mundo contemporâneo, inserido num contexto de difusão dos componentes do meio tecnocientífico-informacional, é palco de transformações criadoras de uma relação simbiôntica entre tecnologia, produção e trabalho. A distribuição setorial da população economicamente ativa nos países centrais e semiperiféricos manifesta-se, em meio a outros efeitos, como reflexo dessa simbiose entre os elementos aludidos.
Os incrementos tecnológicos da economia moderna caracterizam novas formas de produção onde se implementam máquinas e robôs no processo produtivo, tanto no setor primário, que cuida da produção de matérias-primas, quanto no setor secundário, que cuida da produção industrial. A mecanização das lavouras e criadouros responde pela liberação de um enorme contingente ocupado no setor primário. Substituída por tratores, máquinas de ordenha entre outros equipamentos, a mão-de-obra perde seus postos de trabalho sendo obrigada a buscar ocupação na indústria ou no setor terciário, que cuida do comércio e dos serviços em geral.
No entanto, o setor secundário também vivencia um processo de liberação de mão-de-obra associado à automação das atividades produtivas, com a introdução de robôs de alta precisão nas linhas de montagem. A indústria, que empregava um grande volume de trabalhadores portadores de baixa qualificação, agora demanda poucos operários e exige maior qualificação para a manipulação dessas máquinas complexas. Aos trabalhadores que perdem seus postos de trabalho, no campo e na indústria, resta o setor terciário como alternativa de sobrevivência. E é nesse contexto que se manifesta o processo de terciarização da economia.
As economias consideradas periféricas não participam ainda desse processo pois a maioria de sua população economicamente ativa (PEA) está ocupada no setor primário. Falo aqui de países como as “Repúblicas das Bananas”, na América Central, e países africanos em geral, exceto a África do Sul. Todavia as economias semiperiféricas e centrais estão totalmente inseridas nesse processo de terciarização, pois já experimentaram ou continuam a experimentar o processo de transferência setorial da PEA.
Estados Unidos, Canadá, Austrália, Grã-Bretanha, França, Bélgica e economias semelhantes formam um conjunto de países centrais onde o setor terciário já emprega mais de 70% da PEA. Alemanha e Japão, que ainda guardam mais empregos na indústria, já possuem mais de 60% da PEA no terciário. Estes espaços configuram “Economias pós-industriais”. E mesmo com essa alta concentração o nível de desemprego não é muito alto, embora haja desempregados, elemento essencial para a sobrevivência do capitalismo.
Isso se justifica pelo fato de a população possuir maior poder aquisitivo, o que alimenta a multiplicação dos serviços nesses países. As bolsas de valores, engenharia genética, laboratórios de pesquisas, empregam muitas pessoas. Serviços extremamente supérfluos geram renda para muita gente. Explico. Uma das novas manias do Central Park, em Nova Iorque, é a prática de Yoga para cães. Alguém ganha dinheiro dando aulas de Yoga para Cães! Investigando o assunto descobri que psicólogos (?) fazem terapia em animais... Esses são serviços que não encontram espaço nos mercados dos países semiperiféricos.
Brasil, Argentina, México, África do Sul e outras economias similares formam um conjunto de países onde mais de 50% da mão-de-obra está ocupada no setor terciário. No entanto, o poder aquisitivo bem mais restrito nesses países, gera uma demanda menor por serviços fazendo com que haja menor oferta de empregos neste setor, que se apresenta, portanto, hipertrofiado. Com o setor terciário formal inchado, resta a opção da informalidade para a produção da subsistência da população.
Em 1979, o geógrafo brasileiro Milton Santos, tido por muitos como “Filósofo da Geografia” pela profundidade das suas idéias, lança o livro “O Espaço Dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos”. Esta obra, rapidamente, se tornou um clássico da geografia mundial. Nela, Milton apresenta uma análise onde a engrenagem da economia urbana dos países subdesenvolvidos caracteriza-se por ser dotada de um circuito superior, de caráter formal, e um circuito inferior, de caráter informal, que reflete esse quadro de hipertrofia do terciário. É notável a expansão do setor terciário informal, esse circuito inferior da economia urbana, nos países semiperiféricos.
O Brasil serve como exemplo clássico desse processo. As grandes metrópoles, superlotadas, concentram um enorme contingente de mão-de-obra disponível e o excesso engrossa as fileiras de ambulantes e biscateiros de todos os tipos. Cada um faz o que sabe ou o que pode fazer. Quem tem conhecimentos de mecânica, conserta carros. Quem tem habilidades com manutenção, trabalha em obras, mexe com hidráulica, eletricidade, gás... Quem não sabe fazer esses serviços, vende o que aparecer pela frente. Água, cerveja, biscoito, pipoca, chocolates, balas. Vi, certa vez, um sujeito vender Novalgina no trem, em meio a dezenas de produtos. Multiplicam-se os camelôs nas ruas e nos meios de transporte. Manifestações artísticas nos sinais, desde os meninos equilibrando limões até os mais elaborados manuseios de malabares em chamas, também entram como modo informal de obtenção de renda.
Minha reflexão final é inspirada em Milton, que em sua obra “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal”, entre outras abordagens, escancara “o mundo como é: a globalização como perversidade”. “(...) O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção. A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização“.
Um abraço solidário!
Referências: Santos, Milton; Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro. Record. 2001.
Os incrementos tecnológicos da economia moderna caracterizam novas formas de produção onde se implementam máquinas e robôs no processo produtivo, tanto no setor primário, que cuida da produção de matérias-primas, quanto no setor secundário, que cuida da produção industrial. A mecanização das lavouras e criadouros responde pela liberação de um enorme contingente ocupado no setor primário. Substituída por tratores, máquinas de ordenha entre outros equipamentos, a mão-de-obra perde seus postos de trabalho sendo obrigada a buscar ocupação na indústria ou no setor terciário, que cuida do comércio e dos serviços em geral.
No entanto, o setor secundário também vivencia um processo de liberação de mão-de-obra associado à automação das atividades produtivas, com a introdução de robôs de alta precisão nas linhas de montagem. A indústria, que empregava um grande volume de trabalhadores portadores de baixa qualificação, agora demanda poucos operários e exige maior qualificação para a manipulação dessas máquinas complexas. Aos trabalhadores que perdem seus postos de trabalho, no campo e na indústria, resta o setor terciário como alternativa de sobrevivência. E é nesse contexto que se manifesta o processo de terciarização da economia.
As economias consideradas periféricas não participam ainda desse processo pois a maioria de sua população economicamente ativa (PEA) está ocupada no setor primário. Falo aqui de países como as “Repúblicas das Bananas”, na América Central, e países africanos em geral, exceto a África do Sul. Todavia as economias semiperiféricas e centrais estão totalmente inseridas nesse processo de terciarização, pois já experimentaram ou continuam a experimentar o processo de transferência setorial da PEA.
Estados Unidos, Canadá, Austrália, Grã-Bretanha, França, Bélgica e economias semelhantes formam um conjunto de países centrais onde o setor terciário já emprega mais de 70% da PEA. Alemanha e Japão, que ainda guardam mais empregos na indústria, já possuem mais de 60% da PEA no terciário. Estes espaços configuram “Economias pós-industriais”. E mesmo com essa alta concentração o nível de desemprego não é muito alto, embora haja desempregados, elemento essencial para a sobrevivência do capitalismo.
Isso se justifica pelo fato de a população possuir maior poder aquisitivo, o que alimenta a multiplicação dos serviços nesses países. As bolsas de valores, engenharia genética, laboratórios de pesquisas, empregam muitas pessoas. Serviços extremamente supérfluos geram renda para muita gente. Explico. Uma das novas manias do Central Park, em Nova Iorque, é a prática de Yoga para cães. Alguém ganha dinheiro dando aulas de Yoga para Cães! Investigando o assunto descobri que psicólogos (?) fazem terapia em animais... Esses são serviços que não encontram espaço nos mercados dos países semiperiféricos.
Brasil, Argentina, México, África do Sul e outras economias similares formam um conjunto de países onde mais de 50% da mão-de-obra está ocupada no setor terciário. No entanto, o poder aquisitivo bem mais restrito nesses países, gera uma demanda menor por serviços fazendo com que haja menor oferta de empregos neste setor, que se apresenta, portanto, hipertrofiado. Com o setor terciário formal inchado, resta a opção da informalidade para a produção da subsistência da população.
Em 1979, o geógrafo brasileiro Milton Santos, tido por muitos como “Filósofo da Geografia” pela profundidade das suas idéias, lança o livro “O Espaço Dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos”. Esta obra, rapidamente, se tornou um clássico da geografia mundial. Nela, Milton apresenta uma análise onde a engrenagem da economia urbana dos países subdesenvolvidos caracteriza-se por ser dotada de um circuito superior, de caráter formal, e um circuito inferior, de caráter informal, que reflete esse quadro de hipertrofia do terciário. É notável a expansão do setor terciário informal, esse circuito inferior da economia urbana, nos países semiperiféricos.
O Brasil serve como exemplo clássico desse processo. As grandes metrópoles, superlotadas, concentram um enorme contingente de mão-de-obra disponível e o excesso engrossa as fileiras de ambulantes e biscateiros de todos os tipos. Cada um faz o que sabe ou o que pode fazer. Quem tem conhecimentos de mecânica, conserta carros. Quem tem habilidades com manutenção, trabalha em obras, mexe com hidráulica, eletricidade, gás... Quem não sabe fazer esses serviços, vende o que aparecer pela frente. Água, cerveja, biscoito, pipoca, chocolates, balas. Vi, certa vez, um sujeito vender Novalgina no trem, em meio a dezenas de produtos. Multiplicam-se os camelôs nas ruas e nos meios de transporte. Manifestações artísticas nos sinais, desde os meninos equilibrando limões até os mais elaborados manuseios de malabares em chamas, também entram como modo informal de obtenção de renda.
Minha reflexão final é inspirada em Milton, que em sua obra “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal”, entre outras abordagens, escancara “o mundo como é: a globalização como perversidade”. “(...) O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção. A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização“.
Um abraço solidário!
Referências: Santos, Milton; Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro. Record. 2001.