quinta-feira, 14 de junho de 2012

SOBRE OS BRICS

A orígem do grupo político-diplomático de países emergentes hoje conhecidos como BRICS remonta ao ano de 2001, quando o economista chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, Jim O'Neil, usou a sigla "BRIC" para se referir àqueles que seriam os quatro principais países emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia e China.

Ao publicar o relatório "Building Better Global Economic Brics", o Goldman Sachs apontou que esses quatro países eram aqueles que apresentavam as melhores projeções de crescimento econômico até 2050, quando os quatro estariam entre as seis maiores economias do planeta, dividindo espaço apenas com Estados Unidos e Japão.

Esses países têm território extenso, população grande, muitos recursos naturais, e grande importância geopolítica. Rússia e China são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Brasil e Índia são fortes candidatos a vagas permanentes numa possível renovação ampliadora desse conselho. Todos atraem empresas transnacionais que buscam vantagens produtivas em seus territórios e possuem mercados consumidores em expansão.


Para além dessas semelhanças, existem diferenças profundas entre esses países. O Brasil se destaca por não ter armas nucleares nem conflitos separatistas como ocorre nos outros países. A Rússia é o único país do grupo que apresenta tendência de declínio populacional, tendo muitos idosos e com destaque para o grave problema do alcoolismo, que é um importante fator de mortalidade na população.

A China possui a maior população do planeta e investe muito em qualificação de mão-de-obra formando aproximadamente um milhão de universitários por ano. Seus baixos custos de produção geram enorme atração de investimentos produtivos. Com isso, o país deve, segundo o Goldman Sachs, ter o maior PIB nominal do planeta em 2050.

A Índia apresenta um significativo desenvolvimento em vários setores de tecnologia avançada como os setores de eletrônica, informática e medicamentos. O país, que hoje tem muitas fábricas de softwares e hardwares e é o maior produtor mundial de medicaments genéricos, realiza pesados investimentos em qualificação de mão-de-obra e a língua inglesa, herança da colonização, facilita a atração de empresas, especialmente as prestadoras de serviços de call-center.

Na Rússia, a grande potencialidade está na riqueza energética. O país é o maior produtor mundial de gás natural e o segundo maior produtor de petróleo. Além disso, o país é grande exportador de tecnologias e mão-de-obra qualificada, herança dos investimentos em educação e pesquisa, que incluíam a corrida armamentista e espacial, deixada pelo socialismo soviético.

O Brasil se destaca na área de recursos naturais. O país é um grande exportador de produtos agropecuários, especialmente soja e carne bovina. Vê crescer a sua importância na área de combustíveis fósseis com o pré-sal e novas descobertas de gás natural pelo seu território. Também exporta minérios metálicos como ferro, cobre, bauxita etc. para vários países, incluíndo parceiros regionais do Mercosul. E é um líder em biodiversidade e recursos hídricos.

Ressaltar essas potencialidades não significa dizer que a produção desses países está limitada a esses produtos, serviços e riquezas mencionados. O Brasil, por exemplo, exporta soja, carne bovina e ferro mas também exporta aviões. A produção dos Brics vai muito além daquelas que se apresentam como suas principais vocações aparentes.

A tese do Goldman Sachs cativou as lideranças desses países, que decidiram fazer desse simples acrônimo um verdadeiro espaço de discussão sobre as principais questões mundiais, exercendo um olhar emergente sobre o mundo. Desde 2009 há reuniões oficiais. Primeiro na Rússia, depois no Brasil em 2010. Em 2011 foi a vez da China receber os membros para um encontro, que ocorreu novamente, em 2012, na Índia.

Convidada pela China, a África do Sul passou a integrar o bloco político-diplomático. Não que esse país tenha as mesmas projeções de desenvolvimento econômico dos demais membros. O convite se justifica pois foi uma maneira de inserir o continente africano no espaço constituído pelo bloco e porque a África do Sul exerce importante liderança regional. Desde então, o bloco passa a ser chamado de BRICS, com o "S", de South Africa, no final.

É fundamental concluir que este bloco, ao mobilizar o esforço de união de países com tão grandes potencialidades, abre a perspectiva de uma importante alteração no equilíbrio de poder no mundo no futuro, com o fortalecimento dos emergentes diante das potências ocidentais tradicionais, que hoje já enfrentam fortes crises econômicas, políticas e diplomáticas.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

SOBRE A XENOFOBIA NOS PAÍSES CENTRAIS

Xenofobia é um termo que se aplica a diversas situações que remetem a uma visão negativa que os nativos de um lugar têm acerca dos estrangeiros que com eles convivem. Pode ser uma doença mental que se manifesta através do medo irracional que o doente sente diante de um estrangeiro ou do desconhecido, que os estrangeiros representam. No entanto, na maioria dos casos o termo se refere a um conjunto de sentimentos contra o estrangeiro tais como antipatia, aversão, ódio e suspeita, quase sempre alimentados por componentes sociais como o racismo e o receio da ocorrência de possíveis mudanças culturais e religiosas no seio de seu povo.

Nos países centrais, a presença estrangeira é um produto evidente de intensos movimentos migratórios ocorridos em momentos diversos, porém intensificados no contexto do pós-guerra. No Japão e especialmente na Europa, os trabalhos de reconstrução somados ao declínio populacional gerado pelas mortes na guerra e pela redução nas taxas de fecundidade formaram um ambiente atrativo. Nos Estados Unidos, o clima positivo foi propagado através do “american way of life”. Na maioria desses casos havia intervenção do Estado nas economias para gerar empregos e renda favorecendo o bem estar social. Era necessário ao capitalismo, num ambiente de guerra fria, provar que era melhor que o socialismo, oferecendo direitos sociais e liberdade individual às pessoas.

Na outra ponta do movimento migratório, diversos fatores de repulsão impulsionaram a saída de africanos, asiáticos e latino-americanos de seus países. Milhares de pessoas fugiram do desemprego; dos reflexos de movimentos violentos de descolonização, marcados pela proliferação de conflitos étnicos na disputa pelo poder; dos vários tipos de regimes autoritários que se espalham por todo o mundo subdesenvolvido; e dos efeitos perversos da urbanização acelerada e da modernização produtiva, de notável caráter conservador e excludente, que marcaram esse momento da história dos países pobres.

O Japão recebeu alguns grupos asiáticos e descendentes de japoneses espalhados pelo mundo, inclusive nipo-brasileiros, migrantes lá conhecidos como “dekasseguis”. A Europa recebeu muitos africanos e asiáticos, com destaque para o fato de que na maioria dos casos as pessoas saíam das colônias (ou ex-colônias) para as respectivas metrópoles. Ou seja, da Índia para a Inglaterra; da Argélia para a França etc. Já os Estados Unidos receberam migrantes de todo o mundo subdesenvolvido, porém com grande destaque para latino-americanos, de diversas origens, especialmente os mexicanos, porém incluindo muitos brasileiros, que formam um grupo importante de estrangeiros naquele país.

No período que se estende do final da segunda guerra mundial até o final dos anos 1970, a presença do imigrante gerava um incômodo menor, ou ao menos um volume bem menos significativo de manifestações xenofóbicas nos países centrais. Muitos desses países tinham situação de pleno emprego e os imigrantes, assim, não eram tão mal vistos. No entanto, no final dos anos 1970, diversos países do mundo desenvolvido promoveram uma redução da intervenção do Estado na economia para fins de proteção social. Trata-se da adoção de práticas neoliberais que permitiram a dinamização do comércio e a modernização da produção porém elevaram o nível de desemprego e de pressão sobre as conquistas sociais das populações.

Nesse contexto, o trabalhador imigrante passou a ser responsabilizado pelo desemprego crescente. Fortaleceram-se a xenofobia e os partidos de extrema direita que condenam a presença dos estrangeiros nos seus países. Movimentos Neo-nazistas pregavam a violência contra imigrantes e responsabilizavam estrangeiros pelo aumento dos níveis de violência. Contudo, o argumento xenófobo é notavelmente falso, pois os imigrantes, em geral, ocupam postos de trabalho de baixo prestígio social, que admitem baixa qualificação e oferecem salários menores. São empregos sistematicamente rejeitados pelos nativos, como os trabalhos de faxineiro, coveiro, operador de caixa, empacotador, entregador, auxiliar de cozinha, agente de segurança, entre outros.


Cartaz do partido suíço SVP (em alemão) e UDC (em francês) sugerindo a expulsão de imigrantes do país "por mais segurança".

Mesmo assim ergueram-se barreiras migratórias, tanto políticas quanto físicas, para controlar esses fluxos migratórios. No campo político, aumentou o nível de exigências para a concessão de vistos de entrada além das exigências para o período de permanência, como a apresentação da passagem de retorno, de quantias em dinheiro para os gastos diários e até dos comprovantes de reservas em hotéis. A construção de muros em fronteiras altamente policiadas, como o de Tijuana, na fronteira dos Estados Unidos com o México, e os de Ceuta e Melilla, enclaves espanhóis no norte da África, simbolizam a imposição de um limite físico ao direito humano de migrar.

A crise financeira que se estende desde 2008 vem criando paradoxos interessantes nas políticas migratórias desses países. Estando eles em crise, os capitais deixados em seus territórios pelos turistas com origem em países com Brasil, Índia, China, África do Sul, México e Argentina, adquirem maior importância. Prova disso está nas mudanças que estão sendo implantadas nos consulados dos Estados Unidos aqui no Brasil com intuito de acelerar o processo de emissão de vistos. Anos atrás, os brasileiros quase “imploravam” pelo direito de gastar suas economias nos parques, lojas e hotéis estadunidenses. Hoje, o clamor parece vir de lá para cá.

Mas essa abertura não se faz sem o receio de que isso estimule as tentativas de migração permanente. Assim, na União Europeia, onde vários países como Grécia, Itália, Irlanda, Portugal e Espanha estão em crise, o rigor com o controle migratório cresce e a comunidade questiona a estrutura dos acordos que criaram o Espaço Schengen de livre-circulação interna, cuja revisão dos termos é proposta por alguns membros do bloco, como a Dinamarca, que anunciou, em maio de 2011, que voltaria a controlar suas fronteiras com a Suécia e a Alemanha. A França, quando ainda sob o controle de Sarkozy, reclamava da concessão de vistos pela Itália aos tunisianos em 2011, povo do país africano que foi o epicentro do movimento conhecido como “Primavera Árabe”, pois eles estariam migrando, via Itália, para a França.

Um vídeo institucional produzido pela União Europeia e que gerou muitos protestos por ter sido interpretado como racista e xenofóbico, tendo sua veiculação proibida é esse que você pode assistir clicando aqui.

No entanto, a despeito do medo, desconfiança, preconceito ou receio de mudanças culturais e religiosas, uma questão que se apresenta e exige resposta é: será que os europeus poderão, diante da evolução do seu perfil demográfico, evitar a chegada e a legalização de trabalhadores imigrantes? Pois o número de idosos cresce enquanto diminui o de jovens. É necessário repor a população economicamente ativa. Campanhas natalistas, se forem atendidas pela população, tendem a minimizar o problema, mas em longo prazo, de 25 a 30 anos. Contudo, o quê fazer para solucionar o problema que se exibe agora? Não se torna indispensável reconhecer a importância dos trabalhadores imigrantes nesse quadro? Sobre isso, as sociedades precisarão refletir e produzir uma resposta, que será dada, fundamentalmente, nas urnas, nas eleições de cada país.