quinta-feira, 19 de junho de 2008

BUSH, CHAVEZ, BRASIL E BIOCOMBUSTÍVEIS

O Brasil recebeu no dia 07 de março de 2007 a visita do presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush. O encontro dele com o presidente Lula, ocorrido na cidade de São Paulo, teve foco na questão energética, principalmente no que se refere à produção brasileira de etanol, à tecnologia, também brasileira, de produção desse combustível e nos contratos a serem firmados com o objetivo de garantir a exportação desse etanol para o mercado norte-americano.

Veja alguns detalhes do acordo fechado entre Brasil e Estados Unidos:

O Brasil produzirá bilhões de litros de etanol nos próximos anos. Do total, 20% serão voltados exclusivamente para o mercado interno e os 80% restantes poderão ser exportados para qualquer lugar do mundo. Mas Bush veio ao Brasil garantir que 60% do percentual exportável serão vendidos para o mercado americano. Ou seja, 48% de toda a produção nacional de etanol irão direto para os reservatórios nos Estados Unidos.

Com as alterações que devem ser processadas nos padrões de abastecimento dos veículos norte-americanos, ou seja, a adição de etanol na gasolina, algo que já ocorre no Brasil, certamente o mercado americano precisará da produção brasileira. Afinal, sua assustadora frota, com quase 240 milhões de veículos, é aproximadamente 12 vezes maior que a brasileira, com 21 milhões.

Com este acordo, os americanos garantem uma reserva de mercado e uma forte capacidade de controle sobre a produção e, automaticamente, sobre seus preços. Esse foi o principal objetivo desta visita. Sobre a questão das tarifas impostas para entrada do produto na alfândega americana, George W. Bush foi taxativo ao dizer que as barreiras não cairiam nos próximos anos de seu governo.

Este protecionismo americano, embora prejudique a indústria brasileira da cana-de-açúcar ao restringir seu acesso ao mercado estadunidense, evita o aumento dos preços dos derivados da cana vendidos no Brasil, pois se os americanos abrissem o mercado, seu consumo geraria uma demanda muito alta, que a produção brasileira não seria capaz de suprir. A consequência seria a pressão sobre os preços do etanol para o Brasil, gerando inflação e elevação do custo de vida no país, especialmente nas áreas metropolitanas onde é maior a presença de veículos.

O presidente venezuelano Hugo Chavez, que é radicalmente contra a produção de energia através de alimentos, aponta os biocombusíveis como uma das principais causas da fome no planeta. Principalmente por conta do modelo americano que produz o etanol a partir do milho e não da cana-de-açúcar, como faz o Brasil. O uso de gêneros agrícolas como fonte de energia reduz a disponibilidade dos produtos para o consumo alimentar, agravando a situação da fome no planeta, principalmente para os mais pobres, que perdem o acesso aos produtos quando eles ficam mais caros.

É claro que a fome é um dos piores problemas que assolam a humanidade. Contudo ela tem sua raiz mais profunda na desigualdade da distribuição dos alimentos. A atual capacidade de produção global de alimentos poderia produzir o suficiente para matar a fome de muitas pessoas. No entanto as altas margens de lucros dos empresários do agronegócio e as dificuldades comerciais geradas pelo protecionismo excessivo e pelos altos subsídios dados aos produtores dos países centrais, impõem a concentração do capital nesses países. E essa desigualdade da distribuição de capital se reflete no acesso aos alimentos, que é precário nos países mais pobres.

Os biocombustíveis possuem vantagens importantes como a redução da dependência mundial em relação ao petróleo ao permitir a produção energética através da cana-de-açúcar, para o etanol, e através da mamona e do dendê, para a produção do Biodiesel. Talvez esteja nesse ponto o receio de Chavez quanto aos biocombustíveis já que a Venezuela tem o petróleo como principal fonte de riqueza. É possível extrair benefícios econômicos e sociais de um programa como o do Biodiesel, indo além da redução da poluição.

Esse programa pode estimular a desconcentração fundiária favorecendo o desenvolvimento das pequenas propriedades de caráter familiar. No Brasil, é baseado em estruturas de cooperativas de trabalho que podem gerar milhares de empregos no campo, contendo as migrações rural-urbanas. Além disso, o programa permite o foco nas regiões mais pobres como o Nordeste brasileiro, onde a mamona e o dendê se desenvolvem com alguma facilidade.

Nesse sentido, um programa de produção de energia através de alimentos pode ser positivo e coerente com os anseios da humanidade se implantado de modo que colabore com a redução de tensões sociais no campo e na cidade, com o controle dos impactos ambientais e com o desenvolvimento econômico e social das regiões mais pobres do planeta, permitindo maior acesso a renda e viabilizando a ampliação da segurança alimentar nessas regiões.