sexta-feira, 2 de novembro de 2007

A POLÊMICA TRANSPOSIÇÃO DO VELHO CHICO

Texto publicado originalmente em Geografias Suburbanas no dia 01/04/2007, às 2:20 PM

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Iniciando a série de textos sobre o Brasil contemporâneo, trago esse texto sobre a Transposição das águas do Rio São Francisco.

Uma das obras mais polêmicas e caras iniciadas pelo governo Lula, em seu primeiro mandato, é a de transposição de águas do rio São Francisco. O fato de ser caro explica-se pelo orçamento que, inicialmente, foi projetado em R$ 1,5 bilhão, mas que já se sabe que deve custar, pelo menos, R$ 4,5 bilhões, o que a transforma, sem dúvida, na maior obra iniciada no primeiro governo. Já a questão da polêmica, para ser compreendida, merece uma explanação mais detalhada, que exponha os principais argumentos de quem é contra e de quem é a favor da realização do projeto.


Mas antes de entrarmos na polêmica, vamos esclarecer ao leitor em que consiste a obra de transposição das águas do Velho Chico. O projeto pretende transformar rios temporários do semi-árido em rios permanentes. No semi-árido onde os rios são submetidos ao regime pluvial de alimentação, as baixas precipitações limitam a quantidade de água que chega ao leito dos rios. Nos períodos mais secos a falta de chuva faz os rios desaparecerem, o que os caracteriza como temporários. Com a transposição o regime de alimentação desses rios passaria a receber a contribuição das águas tiradas do São Francisco fazendo com que eles se tornem rios permanentes, ou seja, teriam fluxo de água durante o ano inteiro.

Com rios permanentes no semi-árido muitos benefícios podem ser produzidos. E o principal deles é o aumento da disponibilidade de água para o abastecimento humano. O Geógrafo e professor da USP Jurandyr L. Sanches Ross estima que 12 milhões de sertanejos devem ser favorecidos por esse benefício, nos estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.


Outro fator positivo importante está na possibilidade de uso agrícola das águas transpostas. O solo do semi-árido é fértil. Só precisa de mais água. A região do vale do São Francisco ensina isso hoje ao Brasil. Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), cidades vizinhas, separadas pelo rio, são exemplos claros de que é possível fazer uma agricultura com altíssimo padrão de qualidade em clima seco. Aliás, uma historinha...

Não faz muito tempo, depois do carnaval, provei um vinho pernambucano do vale do Velho Chico, chamado Rio Sol. Escrevo o nome do vinho, não pra fazer propaganda, mas porque achei genial. Ganhei de presente de um amigo vindo do Sul. Nunca vi uma garrafa desse vinho nas prateleiras daqui.

O Rio e o Sol são os dois elementos que permitem a produção, de uvas e frutas em geral, com alta qualidade na região. O rio para irrigação, claro. E o Sol para que se possa controlar essa irrigação. Com pouca chuva, o homem controla através de técnicas, toda a absorção de água pelos vegetais, gerando um padrão de qualidade elevadíssimo. Pode-se fazer uma técnica chamada ‘stress hídrico’ onde os agrônomos interrompem a irrigação. O vegetal, ao ‘perceber’ a redução da presença de água, inicia uma tarefa de armazenamento de energia na forma de glicose nos frutos. Ou seja, com stress hídrico, produzem-se frutos doces, muito doces. Uma beleza. Na Califórnia isso também é feito há anos. Porém nós, no Nordeste, temos mais Sol do que eles. Questão de posição latitudinal. Estamos mais próximos à linha do Equador.

A fruticultura realizada por lá é feita em pequenas e médias propriedades, quase todas de caráter familiar e que estão organizadas em cooperativas para a exportação da produção. O aeroporto internacional de Petrolina faz pelo menos dois vôos por semana para a Europa, carregados de frutas do vale do Velho Chico. A transposição possibilitaria a expansão desse negócio pelo semi-árido e também a produção voltada para o Biodiesel, gerando mais empregos, renda, energia mais limpa e desenvolvimento regional. Sem contar que isso reduzirá a dependência política da população local em relação aos coronéis e ao assistencialismo que vem gerando fortes dividendos políticos há séculos na região.

Fonte: http://oiramsemog.blogspot.com.br/2012/03/transposicao-do-rio-sao-francisco.html

No entanto, apesar dos enormes benefícios sociais e econômicos que podem ser produzidos pelo projeto, existem problemas que devem ser considerados devido à sua grande relevância. Numa análise superficial, já se consegue perceber que se tirarmos água do São Francisco para colocar em outros rios, o fluxo do Velho Chico será reduzido. A grande questão é: até que ponto poderemos tirar água do rio sem prejudicá-lo? Qualquer intervenção será sentida pelo rio e terá reflexos mais ou menos intensos dependendo da quantidade de água retirada.

Segundo Silvia de Faria Pereira e Carvalho, geógrafa e professora do Centro Pedagógico da UFMG, a vazão média do São Francisco é próxima a 1.860 m3/s e o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) fixou o valor de 1.500 m3/s que devem chegar ao oceano. Como se vê, sobram 360m3/s para residências, indústrias, agricultura e rebanhos. E o projeto pretende transpor 127m3/s para as bacias dos rios Jaguaribe, Apodi, Piranhas e Paraíba.

Além dessa questão, é preciso destacar que o projeto em seu Eixo Leste (Paraíba) e Eixo Norte (Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) corta, em muitos casos, vários latifúndios do Sertão, o que pode gerar uma violenta especulação imobiliária nas terras sertanejas. Beneficiará, também, as grande empresas agrícolas da região.

E, por fim, com a redução da quantidade de águas no São Francisco, tem-se a redução da capacidade energética do rio, das cheias que possibilitam agricultura nas margens e haverá redução no nível da pesca, que é uma atividade que sustenta boa parte da população ribeirinha da região.

O assunto é espinhoso. São argumentos fortes, tanto a favor quanto contra a realização do projeto. E você, qual a sua opinião? Registre aqui.

Um abraço solidário!

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Referências:

Revista Discutindo Geografia – ano 2 – nº 10.
Estadão Negócios – Novo Mapa do Brasil – Maio 2006

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu sou contra a transposição do rio São Francisco e concordo com a expressão "Indústria da Seca" referente à essa obra.
Acredito que o projeto tenha caráter EXCLUSIVAMENTE econômico na medida em que incrementaria a fruticultura irrigada voltada para a exportação. Isso implicaria no aumento da desigualdade social,que já é grande, no Sertão, pois os pequenos e médios proprietários serão dizimados pela competição com os grandes. Quanto à questão da sede há outros projetos,mais simples e mais baratos, que poderiam ser implantados na região. Além disso,a energia que será gasta para o bombeamento das águas tornará cara a sua obtenção pela população. Outro aspecto a ser considerado é que as águas do Velho Chico estão poluídas e se a finalidade da obra é matar a sede, estas deveriam ser tratadas primeiro. É claro que essa obra será importante para o crescimento econômico do país, mas para mim aspectos ambientais e sociais devem ser considerados.
Gostei muito dos textos publicados.
Abraço.
Luciana

Diego Moreira disse...

Beleza, Luciana! Seja bem chegada! O importante é debater as questões que julgamos relevantes para nossa sociedade e essa transposição é um desses temas.

Abraço!