quinta-feira, 2 de maio de 2013

GEOPOLÍTICA DA AMAZÔNIA

Compartilho um breve texto escrito pela geógrafa Bertha Becker, professora do Departamento de Geografia e Coordenadora do Laboratório de Gestão do Território, da UFRJ. O link para a publicação original você encontra aqui

DE INÍCIO, cabe uma pequena explanação sobre geopolítica: trata-se de um campo de conhecimento que analisa relações entre poder e espaço geográfico. Foi o fundamento do povoamento da Amazônia, desde o tempo colonial, uma vez que, por mais que quisesse a Coroa, não tinha recursos econômicos e população para povoar e ocupar um território de tal extensão. Portugal conseguiu manter a Amazônia e expandi-la para além dos limites previstos no tratado de Tordesilhas, graças a estratégias de controle do território. Embora os interesses econômicos prevalecessem, não foram bem-sucedidos, e a geopolítica foi mais importante do que a economia no sentido de garantir a soberania sobre a Amazônia, cuja ocupação se fez, como se sabe, em surtos ligados a demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação e de decadência. 

A geopolítica sempre se caracterizou pela presença de pressões de todo tipo, intervenções no cenário internacional desde as mais brandas até guerras e conquistas de territórios. Inicialmente, essas ações tinham como sujeito fundamental o Estado, pois ele era entendido como a única fonte de poder, a única representação da política, e as disputas eram analisadas apenas entre os Estados. Hoje, esta geopolítica atua, sobretudo, por meio do poder de influir na tomada de decisão dos Estados sobre o uso do território, uma vez que a conquista de territórios e as colônias tornaram-se muito caras. 

Verifica-se o fortalecimento do que se chama de coerção velada. Pressões de todo tipo para influir na decisão dos Estados sobre o uso de seus territórios. Essa mudança está ligada intimamente à revolução científico-tecnológica e às possibilidades criadas de ampliar a comunicação e a circulação no planeta através de fluxos e redes que aceleram o tempo e ampliam as escalas de comunicação e de relações, configurando espaços-tempos diferenciados. 

O espaço sempre foi associado ao tempo. E hoje, na acentuação de diferentes espaços-tempos reside uma das raízes da geopolítica contemporânea. As redes são desenvolvidas nos países ricos, nos centros do poder, onde o avanço tecnológico é maior e a circulação planetária permite que se selecionem territórios para investimentos, seleção que depende também das potencialidades dos próprios territórios. Ocorre que ao se expandirem e sustentarem as riquezas circulante, financeira e informacional, as redes se socializam. E essa socialização está gerando movimentos sociais importantes, os quais também tendem a se transnacionalizarem. 

Há, hoje, portanto, dois movimentos internacionais: um em nível do sistema financeiro, da informação, do domínio do poder efetivamente das potências; e outro, uma tendência ao internacionalismo dos movimentos sociais. Todos os agentes sociais organizados, corporações, organizações religiosas, movimento sociais etc., têm suas próprias territorialidades, acima e abaixo da escala do Estado, suas próprias geopolíticas, e tendem a se articular, configurando uma situação mundial bastante complexa. A Amazônia é um exemplo vivo dessa nova geopolítica, pois nela se encontram todos esses elementos. Constitui um desafio para o presente, não mais um desafio para o futuro. Qual é este desafio atual? A Amazônia, o Brasil, e os demais países latino-americanos são as mais antigas periferias do sistema mundial capitalista. Seu povoamento e desenvolvimento foram fundados de acordo com o paradigma de relação sociedade-natureza, que Kenneth Boulding denomina de economia de fronteira, significando com isso que o crescimento econômico é visto como linear e infinito, e baseado na contínua incorporação de terra e de recursos naturais, que são também percebidos como infinitos. Esse paradigma da economia de fronteira realmente caracteriza toda a formação latino-americana.

Hoje, o imperativo é modificar esse padrão de desenvolvimento que alcançou o auge nas décadas de 1960 a 1980. É imperativo o uso não predatório das fabulosas riquezas naturais que a Amazônia contém e também dosaber das suas populações tradicionais que possuem um secular conhecimento acumulado para lidar com o trópico úmido. Essa riqueza tem de ser melhor utilizada. Sustar esse padrão de economia de fronteira é um imperativo internacional, nacional e também regional. Já há na região resistências à apropriação indiscriminada de seus recursos e atores que lutam pelos seus direitos. Esse é um fato novo porque, até então, as forças exógenas ocupavam a região livremente, embora com sérios conflitos. Essa é uma das hipóteses deste texto.

Com as resistências regionais os conflitos na região alcançam um patamar mais elevado. Não se trata mais apenas de conflito pela terra; é o conflito de uma região em relação às demandas externas. Esses conflitos de interesse, assim como as ações deles decorrentes contribuem para manter imagens obsoletas sobre a região, dificultando a elaboração de políticas públicas adequadas ao seu desenvolvimento. 

Para que se possa mudar esse padrão de desenvolvimento é necessário entender os diferentes projetos geopolíticos e seus atores, que estão na base dos conflitos, para tentar encontrar modos de compatibilizar o crescimento econômico com a conservação dos recursos naturais e a inclusão social. Enfim, não se trata de mero ambientalismo, muito menos de mais um momento destrutivo. 

Como efetuar tal compatibilização? Esse é um grande desafio para a Ciência e Tecnologia, e se apontarão aqui problemas em que a Ciência pode contribuir por meio de três hipóteses: 

1. O novo significado geopolítico da Amazônia em âmbito global como a grande fronteira do capital natural; 
2. o novo lugar da Amazônia no Brasil; 
3. a urgência de uma nova política de desenvolvimento e de estratégias básicas para implementá-la. 

A Amazônia e a mercantilização da natureza 

O ponto de partida para se fazer essa análise é o reconhecimento de profundas mudanças estruturais que ocorreram na Amazônia nas últimas décadas do século XX. Todos sabem como o projeto de integração nacional acarretou perversidades em termos ambientais e sociais. Mas, com sangue, suor e lágrimas deve-se reconhecer o que restou de positivo nesse processo, porque são elementos com os quais a região conta hoje para seu desenvolvimento. E não se pode esquecê-los. 

A dinâmica regional recente 

No final do século XX, houve, portanto, impactos negativos, mas também mudanças estruturais e novas realidades geradas na fronteira, a qual tomo como espaço não plenamente estruturado e por isso mesmo capaz de gerar realidades novas. Dentre as mudanças, destaca-se a da conectividade regional, um dos elementos mais importantes na Amazônia. Não se trata apenas das estradas, elementos que contribuíram para depredação dos recursos e da sociedade, mas sim, sobretudo, das telecomunicações, porque a rede de telecomunicações na Amazônia permitiu articulações locais/ nacionais, bem como locais/ globais. Outra mudança importante é a da economia, que passou da exclusividade do extrativismo para a industrialização, com a exploração mineral e com a Zona Franca de Manaus, que foi um posto avançado geopolítico colocado pelo Estado na fronteira norte, em pleno ambiente extrativista tradicional. Há problemas na Zona Franca, mas hoje ela é grande produtora não só de bens de consumo duráveis, como da indústria de duas rodas, de telefonia e mesmo de biotecnologia. 

Uma grande modificação estrutural ocorreu no povoamento regional que se localizou ao longo das rodovias e não mais ao longo da rede fluvial, como no passado, e no crescimento demográfico, sobretudo urbano. Processou-se na região uma penosa mobilidade espacial, com forte migração e contínua expropriação da terra e, assim, ligada a um processo de urbanização. Em vista disso, a Amazônia teve a maior taxa de crescimento urbano no país nas últimas décadas. No censo de 2000, 70% da população na região Norte estavam localizados em núcleos urbanos, embora carentes dos serviços básicos (Figura 1). Muitos discordam dessa tese, porque não consideram tais nucleamentos como urbanos. Mas esse é o modelo de urbanização no Brasil e, ademais, a urbanização não se mede só pelo crescimento e surgimento de novas cidades, mas também pela veiculação dos valores da urbanização para sociedade. Por essa razão, desde a década de 1980, chamo a Amazônia de uma "floresta urbanizada". 

Por outro lado, organizou-se a sociedade como nunca antes verificado. Os grandes conflitos de terras e de territórios das décadas de 1960 a 1980 constituíram um aprendizado político e, na década de 1990, transformaram-se em projetos alternativos, com base na organização da sociedade civil. É extremamente importante lembrar que hoje, essa sociedade tem voz ativa na Amazônia e no Brasil, inclusive muitos grupos indígenas. Essa organização da sociedade política trouxe, por sua vez, mudanças no apossamento do território, com a multiplicação de unidades de conservação federais e estaduais, assim como também com a demarcação de terras indígenas. 

Que projetos e que atores produzem hoje a dinâmica regional e os novos significados da Amazônia? Essas transformações não são vistas de forma homogênea pelos diferentes atores, porque dependem de interesses diversos e geram ações diferentes na região. Existem muitos conflitos dentro dessas percepções, mas há algumas dominantes. 

O uso do método geográfico para análise dos projetos geopolíticos e seus atores por diferentes escalas geográficas é útil para colaborar nessa análise. 

Globalização e Amazônia como fronteira do capital natural 

A primeira hipótese é a constituição da Amazônia como fronteira do capital natural em nível global, em que se identificam dois projetos: o primeiro é um projeto internacional para a Amazônia, e o segundo é o da integração da Amazônia, sul-americana, continental. 

Até recentemente, dominava no projeto internacional a percepção da Ama-zônia como uma imensa unidade de conservação a ser preservada, tendo em vista a sobrevivência do planeta, devido aos efeitos do desmatamento sobre o clima e a biodiversidade. A base dessa percepção teve como origem, em grande parte, a tecnologia dos satélites, que permitiu pela primeira vez uma visão de conjunto da superfície da Terra e da sua unidade trazendo o sentimento da responsabilidade comum, assim como a percepção do esgotamento da natureza, que se tornou um recurso escasso. 

A natureza foi então reavaliada e revalorizada a partir de duas lógicas muito diferentes, mas que convergem para o mesmo projeto de preservação da Amazônia. A primeira lógica é a civilizatória ou cultural, que possui uma preocupação legítima com a natureza pela questão da vida, o que dá origem aos movimentos ambientalistas. A outra lógica é a da acumulação, que vê a natureza como recurso escasso e como reserva de valor para a realização de capital futuro, fundamentalmente no que tange ao uso da biodiversidade condicionada ao avanço da tecnologia. Outro recurso de que pouco se fala, mas que já é fundamental, é a água como fonte de vida e de energia em razão dos isótopos de hidrogênio, questão teórica ainda não solucionada, mas que vem sendo pesquisada em muitos países, especialmente na Alemanha e nos EUA. 

Torna-se patente que, se há uma valorização da natureza e da Amazônia, há também a relativização do poder da virtualidade dos fluxos e redes do mundo contemporâneo, com a globalização, que acaba com as fronteiras e com os Estados. Na verdade, os fluxos e redes não eliminam o valor estratégico da riqueza localizada, in situ; eles sustentam a riqueza circulante do sistema financeiro, da informação, mas a riqueza localizada no território também tem seu papel e seu valor. 

Isso, conseqüentemente, trouxe uma disputa das potências pelos estoques das riquezas naturais, uma vez que a distribuição geográfica de tecnologia e de recursos está distribuída de maneira desigual. Enquanto as tecnologias avançadas são desenvolvidas nos centros de poder, as reservas naturais estão localizadas nos países periféricos, ou em áreas não regulamentadas juridicamente. Esta é, pois, a base da disputa. 

Há três grandes eldorados naturais no mundo contemporâneo: a Antártida, que é um espaço dividido entre as grandes potências; os fundos marinhos, riquíssimos em minerais e vegetais, que são espaços não regulamentados juridicamente; e a Amazônia, região que está sob a soberania de estados nacionais, entre eles o Brasil. 

Esse contexto geopolítico, principalmente na década de 1980 e 1990, gerou sugestões mundiais pela soberania compartilhada e o poder de gerenciar a Amazônia, que abalou até o Direito Internacional. Hoje, contudo, são crescentes os interesses ligados à valorização do capital natural, que tende a se sobrepor à lógica cultural. 

Observa-se um processo de mercantilização da natureza. Elementos da natureza estão se transformando em mercadorias fictícias, usando a expressão de Karl Polanyi, em seu livro A grande transformação. Fictícias por quê? Porque elas não foram produzidas para venda no mercado – o ar, a água, a biodiversidade. Mas, no entanto, através desta ficção são gerados mercados reais e isto se deu, como Polanyi mostra muito bem, no início da industrialização, quando terra, dinheiro e trabalho foram transformados em mercadorias fictícias, gerando mercados reais. 

O que é o protocolo de Kyoto se não o mercado do ar? É a tentativa de estabelecer cotas de emissão de carbono nos países fortemente industrializados e poluidores em troca de manutenção de florestas em países com elas dotadas. O mercado do ar é o mais avançado. Em outras palavras, esses mercados reais tentam se institucionalizar em fóruns globais, o que também é uma vertente nova dentro do Direito Internacional. 

Não é fantasia o fato de que está em curso na Amazônia a transformação de bens da natureza em mercadorias. É o caso da Peugeot, que faz investimentos no sentido de seqüestro do carbono no Mato Grosso; na ilha do Bananal, a empresa inglesa S. Barry; a Mil Madeireira que, tem um projeto neste sentido no estado do Amazonas; a Central South West Corporations, de Dallas, uma empresa de energia que fez uma aquisição no Paraná de setecentos mil hectares, através da mediação da National Conservancy, da reserva da Serra de Itaqui; além dos projetos que não conhecemos, visto que uns são oficiais e outros não. Há restrições a colocar nesse sentido porque a terra e a floresta são bens públicos, e a venda de floresta significa venda de território e não é correta do ponto de vista do país. 

É digno de nota lembrar que existem esforços para regular o mercado da biodiversidade, como a Prototipe Carbon Fund, do Banco Mundial, sistema difícil de implementar, visto que as patentes e a distribuição de benefícios para as populações locais não foram ainda regulamentadas no país. 

O mercado dos recursos hídricos é o mais atrasado, embora haja múltiplas tentativas de regularização desse mercado. A água é considerada o ouro azul do século XXI, em termos globais, porque há escassez e consumo crescente no mundo, sobretudo nos países semi-áridos que utilizam a irrigação. Ademais, há previsões de que a disputa por água pode chegar até a conflitos armados. 

Polanyi mostra que há uma necessidade de organização da sociedade para impedir o livre jogo das forças de mercado em relação aos elementos vitais para o homem. Para tanto, foram criados sindicatos para proteger o mercado do trabalho e organizadas associações para regular o mercado da terra e o papel do estado tornou-se fundamental. Que vamos fazer no Brasil, e qual deve hoje ser nossa reação? Temos todos esses trunfos – florestas, biodiversidade, água; como a sociedade e o governo brasileiro devem se comportar em relação ao seu uso? Hoje, o movimento de mercantilização é irreversível e temos de saber como lidar com ele. Parece-me que caberia ao governo e à sociedade lutar pela regulação desses mercados, mas ela deveria ser bem negociada. 

Quais são os principais atores nesse projeto internacional? Os movimentos ambientalistas, onde se destacam as ONGs nacionais e internacionais, a cooperação internacional técnica, financeira, científica em grandes projetos, como é o caso do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), do LBA e do Probem1, além de organizações religiosas de todos os tipos, assim como de agências de desenvolvimento de governos estrangeiros e também de empresas voltadas para o seqüestro de carbono e/ ou madeira certificada. 

A cooperação internacional é fundamental para o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia no Brasil. Mas, por vezes, essa cooperação tecnocientífica tem um excesso de autonomia. A questão crucial é o controle da informação, porque muitas vezes os pesquisadores brasileiros, em parcerias, conhecem o subprojeto ligado à sua parceria, mas não o projeto como um todo. Deve haver, portanto, uma conscientização dos pesquisadores no sentido da globalização da pesquisa, de modo que não tenham acesso apenas a uma parte da informação. 

A cooperação internacional tem um lado extremamente importante que é o da relação com as comunidades locais, graças às redes de telecomunicação. Há uma forte presença internacional que se estabeleceu na Amazônia devido também aos impactos do projeto anterior, que excluía as populações regionais, expulsava pequenos produtores e ameaçava índios, e esses grupos conseguiram apoios internacionais, como foi o caso de Chico Mendes, que foi a Washington para obter um reforço a fim de manter sua própria sobrevivência. É necessário que a sociedade e o governo estejam atentos à questão da face interna da soberania, no sentido de reconhecer que o povo não é homogêneo, tem demandas diferentes que não são devidamente atendidas, o que gera conflitos que afetam a governabilidade. 

A integração da Amazônia sul-americana 

Um segundo projeto internacional diz respeito à integração da Amazônia transnacional, da Amazônia sul-americana. Trata-se de uma nova escala para pensar e agir na Amazônia. Esse dado é importante por múltiplas razões. Primeiro, porque a união dos países amazônicos pode fortalecer o Mercosul e, de certa maneira, construir um contraponto nas relações com a Alca e com a própria União Européia. Em segundo lugar, para ter uma presença coletiva e uma estratégia comum no cenário internacional, fortalecendo a voz da América do Sul. Em terceiro lugar, porque é fundamental para estabelecer projetos conjuntos quanto ao aproveitamento da biodiversidade e da água, inclusive nas áreas que já possuem equipamento territorial e intercâmbio, como é o caso das cidades gêmeas localizadas em pontos das fronteiras políticas. 

Além disso, esse dado é importante porque pode ajudar a conter as atividades ilícitas – narcotráfico, contrabando, lavagem de dinheiro etc. – e uma possível "ajuda" militar no território brasileiro. Há uma crescente presença militar na fachada do Pacífico e na América Central, através do que se denomina de "localidades de operação avançada", cuja maior expressão é o Plano Colômbia. O Brasil virou uma ilha cercada de "localidades de operação avançada" por todos os lados, com instalações norte-americanas apoiadas pela União Européia, com exceção das fronteiras com a Venezuela e a Argentina. O Brasil tenta impedir esse cêrco com várias respostas, como com a criação do Ministério do Meio Am-biente e o projeto Sipam (Sistema de Informação para Proteção da Amazônia), embora tenha apoio financeiro para o aparelhamento da Polícia Federal. 

Esse processo levou a uma forte reativação das fronteiras políticas da Amazônia, consideradas anteriormente como fronteiras mortas, e basta ir a Tabatinga e a Letícia para constatar a vivificação das mesmas, o que vem a constituir uma preocupação para todos os países. 

Mas o fato de a globalização incidir na Amazônia dos países vizinhos através da presença militar, e no Brasil por intermédio da cooperação internacional,constitui uma diferença importante. 

Realiza-se uma articulação sul-americana por meio do resgate do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), e também a partir da iniciativa do planejamento físico da integração por meio de transporte multimodal, difusão da internet nos países vizinhos e intercâmbio energético. Em Roraima deu-se o primeiro passo para a integração oficial através da construção da estrada que liga Manaus à Venezuela. O gás já vem sendo transferido da Bolívia e do Peru, e a Bolsa de Mercadorias e Estudos propõe a extensão da fronteira agropecuária do centro-oeste brasileiro para os países vizinhos. 

Desejamos que a integração sul-americana se faça nos moldes do que foi a integração dos anos de 1970? Nada contra expandir a soja e a pecuária para áreas propícias do cerrado, mas não que se faça tal expansão em áreas de florestas. Esse é um desafio à Ciência e à Tecnologia. A integração deve ser baseada na circulação fluvial, que merece um investimento enorme, pois sempre foi o grande meio de circulação na Amazônia, e também na aérea, que foi muito importante e ainda o é para o transporte de cargas de alto valor agregado. 

Um outro elemento importante da integração reside nas cidades gêmeas – Santa Helena e Pacaraima em Roraima, Tabatinga e Letícia no Amazonas, além de outras no Acre, onde já existem embriões de integração, fluxos e equipamentos que podem acelerar o intercâmbio. Aliás, a cidade é um elemento fundamental no desenvolvimento e planejamento da Amazônia, porque nela a população está concentrada, constitui o nó das redes de relações, e pode, inclusive, impedir a expansão demográfica na floresta. 

A Amazônia no espaço nacional: uma região em si 

A segunda hipótese proposta para debate diz respeito ao lugar da Amazônia no Brasil. Afirma-se aqui que a Amazônia não é mais mera área de expansão da fronteira móvel, mas sim uma região em si, com base em dois argumentos: a nova feição da fronteira e os avanços regionais em termos econômicos, sociais políticos. 

A situação de conflito entre desenvolvimento e proteção ambiental transparecia nas políticas públicas da década de 1990 que eram, a um só tempo, expressão e indução do conflito. Por um lado, o Ministério do Meio Ambiente que fazia a política da proteção das florestas e, por outro lado, o Ministério do Planejamento e Orçamento, criando corredores de exportação. Evidentemente, os corredores de exportação coincidiam com os ecológicos. 

Multiplicaram-se as unidades de conservação, foram demarcadas terras indígenas e se criou o projeto Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), uma iniciativa do Banco Mundial e do WWF para ampliar em 10% as áreas protegidas até 2010. Trata-se de um projeto preservacionista que só com a pressão da ministra Marina Silva aceitou aumentar muito pouco a área de uso sustentável (noventa mil quilômetros quadrados). Portanto, a Amazônia terá, em breve, mais de 30% do seu território em áreas protegidas, uma área equivalente ao território da Espanha. Que resultou desse conflito? 

As novas feições da fronteira móvel 

Aqui se coloca uma hipótese polêmica: na década de 1990, o ambientalismo dominou e se delineou como uma tendência ao esgotamento da Amazônia como fronteira móvel, isto é, como fronteira de expansão econômica e demográfica no território. As frentes passaram a apresentar diferenças com a expansão da fronteira na década de 1970, tais como: 

1. Nos anos de 1970, o que sustentou a fronteira foram os incentivos fiscais e a migração generalizada do país inteiro, esta induzida pelo governo federal. Atualmente, a migração dominante é intra-regional, de um estado para o outro e, sobretudo, rural-urbana (exceção feita ao Mato Grosso, que continua atraindo população de fora, principalmente do Sul e do Nordeste). 

2. Outro elemento importante de diferenciação é o comando das frentes por parte de Belém e de Cuiabá, sobretudo, hoje de âmbito regional. Assim, o que há de novo na expansão das frentes é que são comandadas por madeireiras, pecuaristas e sojeiros já instalados na região, que a promovem com recursos próprios. Não se trata mais, pois, de uma expansão subsidiada pelo governo federal, como foi a da fronteira nos anos de 1970. 

3. Ademais, as frentes hoje são localizadas. Nos anos de 1970 elas se localizavam nas duas grandes artérias, Belém-Brasília e Brasília-Cuiabá, de modo que a expansão seguiu a fímbria das florestas. Agora, as frentes estão mais localizadas em torno das estradas que já existiam, as que pre-tendem ser pavimentadas ou as abertas pelos próprios madeireiros e pecuaristas. 

Na virada do milênio, entretanto, a fronteira tomou novo alento. São três as grandes frentes na Amazônia hoje: uma parte de São Felix do Xingu, Sudeste do Pará, em direção ao rio Iriri; outra parte do extremo Norte de Mato Grosso pela rodovia Cuiabá-Santarém, em torno de cuja pavimentação há grande discórdia, pois ela atravessa não mais a borda, mas o meio da floresta; a terceira parte do Norte de Mato Grosso e de Rondônia em direção ao Sul do Estado do Amazonas. 

A tecnologia serve também para a destruição da floresta: os madeireiros estão se apossando de terras via satélite, descobrem onde há terras disponíveis e fazem a grilagem em imensas glebas. Um lado tragicômico é que existem, no Sul do Amazonas, muitos fazendeiros que vieram do Pontal do Paranapanema, expulsos pelo MST, porque não tinham terras regularizadas, e o MST sabe muito bem quem possui ou não terras regularizadas. 

Mas o mais importante elemento que justifica a hipótese aqui tratada é a consolidação do povoamento, em contrapartida às frentes de expansão. 

A consolidação do povoamento 

A tendência à consolidação do povoamento é patente no avanço econômico significativo e na tecnificação da agroindústria no cerrado, particularmente no Mato Grosso, que planta soja e agora também algodão colorido. Com o crescimento da produção e o aumento da produtividade da soja, a terra não é mais ocupada como reserva de valor, como foi na época da fronteira anterior. Agora o que sucede é o uso produtivo da terra. Acrescem mudanças também na pecuária, principalmente no Sudeste do Pará e no Mato Grosso, onde ocorrem melhorias com respeito às pastagens, aos rebanhos e à indústria de couro e de leite. Mudanças bastante significativas em termos econômicos. 

As redes e cidades permitem a expansão dessa área econômica avançada que é chamada de "arco de fogo", ou do desmatamento ou "de terras degradadas", porque foi onde se expandiu a fronteira e o desmatamento. Mas está na hora de mudar essa denominação, tendo em vista que se trata da maior área produtora mundial de soja. O Rio de Janeiro já foi um pântano, mas não é, hoje, denominado de pântano, e sim de metrópole. Sugere-se, então, a mudança de nome para área de povoamento consolidado, porque a denominação de arco do fogo atrapalha a política pública. 

Existe, assim, um gigantesco confronto entre a expansão da agroindústria da soja, da pecuária, assim como da exploração da madeira e o uso conservacionista da floresta, defendido pela produção familiar, pelos ambientalistas e por diversas categorias de cientistas. 

Nos últimos anos, houve uma retomada vigorosa das frentes, nas três localizações referidas, devido à valorização da soja no mercado internacional e as incertezas da economia nacional. Conclui-se, assim, que a fronteira é um elemento estrutural do crescimento econômico no Brasil, mas hoje depende da conjuntura; ou seja, ela se expande ou se retrai em função da conjuntura econômica e política. É, portanto, um conceito espaço-temporal. É muito difícil estabelecer um prognóstico sobre o conflito entre agronegócio e conservação da floresta. Um grupo de pesquisadores do Inpa liderado por um norte-americano realizou um modelo afirmando que, em 2020, a Amazônia estaria totalmente destruída. Um modelo linear, que não prevê alteração alguma, o que não se pode aceitar num mundo de imprevisibilidade. 

Hoje, a Amazônia não é mais mera fronteira de expansão de forças exógenas nacionais ou internacionais, mas sim uma região no sistema espacial nacional, com estrutura produtiva própria e múltiplos projetos de diferentes atores. Nela, a sociedade civil passou a ser um ator fundamental, tanto no campo como nas cidades, especialmente pelas suas reivindicações de cidadania, que inclusive influem no desenvolvimento urbano. O Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) tem 315 associações, entre elas a federação das organizações indígenas. Os índios são espertíssimos, aprendem tudo rapidamente, mantêm a sua cultura e crescem num ritmo que é o dobro da taxa nacional. Além disso, criam ONGs para ajudar outras comunidades não tão informadas como a deles. 

Outro grupo importante, mais localizado, é o de Altamira, antigo projeto de colonização em que a produção familiar é organizada e tem uma força política significativa, resistindo à construção da hidrelétrica de Belo Monte. 

Atores fundamentais são os governos estaduais, que, com a crise do Estado central, assumiram responsabilidades e força política. É interessante e importante saber que esses governos, por suas condições histórico-geográficas, têm estratégias diferentes. O Mato Grosso e o Pará têm estratégias extensivas de uso da terra, o estado do Amazonas tem uma estratégia pontual industrial, localizada em Manaus; o Acre e o Amapá se baseiam na estratégia da florestania, modernização do extrativismo; em Rondônia procura-se expandir a pecuária e mesmo a soja, e, em Roraima, a soja no lavrado (cerrado) cercado por florestas e terra indígenas. O município também é um ente político que tem voz na região, embora sem recursos financeiros. Economicamente, não tem força, mas a tem do ponto de vista político, e é responsável pela urbanização recente, transformando as vilas em cidades. 

As empresas do agronegócio, além das madeireiras e pecuaristas, são outros atores que estão se firmando e se expandindo não só no Mato Grosso. O que tem passado despercebido, no meu entender, em todos os projetos e em todas as escalas, é justamente o fato de a Amazônia hoje ser uma região que possui uma dinâmica própria: tem vinte milhões de habitantes, há demandas específicas e resistências organizadas e uma estrutura produtiva própria, o que comprova a sua mudança de caráter, inclusive com uma nova geografia. Nela reconheço três macrorregiões: a primeira é essa que chamam de "arco do fogo" e que denomino de arco do povoamento consolidado, porque é onde estão as cidades, as densidades demográficas maiores, as estradas e o cerne da economia; a outra macrorregião, da Amazônia central, corresponde ao restante do estado do Pará, que é a porção mais vulnerável da Amazônia, porque cortada pelos eixos, pelas estradas e onde estão duas das frentes localizadas; a última é a Amazônia ocidental, que tem a maior área de fronteira política e'é a mais preservada (porque não foi cortada por estradas e seu povoamento foi pontual, na Zona Franca de Manaus, enquanto o resto do estado ficou abandonado). E o fato de ser uma região em si, constitui uma força de resistência à destruição da floresta. 

Como impedir a destruição das florestas? 

O papel das políticas públicas 

Se a Amazônia é efetivamente uma região, então há que se substituir a política de ocupação por uma política de consolidação do desenvolvimento. Uma política de ocupação não tem mais cabimento, porque a região já está ocupada. As florestas que restaram devem permanecer com seus habitantes. É necessário articular os diferentes projetos e os diversos interesses e conflitos que incidem na região. O governo atual pretende ser um marco no rumo do desenvolvimento regional. Elaborou um novo Plano Amazônia Sustentável (PAS), com o qual pretende superar a polaridade conflitiva entre a política ambiental e a de desenvolvimento. 

O governo atual propõe também no PPA, (Plano Plurianual 2004-2007) a necessidade tanto da produtividade e competitividade, como da inclusão social, emprego e renda. No caso da Amazônia, existe um novo princípio, da transversalidade, em que o meio ambiente deixa de ser tratado como uma variável independente e participa das políticas de todos os ministérios. Importante também são os cinco eixos estratégicos do PAS, que vai ser posto em discussão com a sociedade: gestão ambiental e ordenamento do território, novo padrão de financiamento, inclusão social, infra-estrutura para o desenvolvimento e produção sustentável com inovação tecnológica e competitividade. 

O ponto central, que gera conflitos, é a questão da pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), porque as corporações da soja, por um lado, pressionam o governo para a pavimentação rápida, visto que é considerada um elemento central para o escoamento da produção, pelo Norte, com o objetivo de encurtar distâncias e baixar custos. Por outro lado, os ambientalistas e a produção familiar não querem a pavimentação. O governo propôs que se fizesse um modelo para transformar a rodovia Cuiabá-Santarém numa estrada indutora de desenvolvimento, em vez de uma indutora de depredação. É importante registrar que há em Brasília a criação de grupos de trabalho interministeriais para os planos governamentais, algo extremamente positivo, com catorze ministérios participando para fazer o novo planejamento da estrada como instrumento de desenvolvimento. 

O Incra está fazendo um esforço no sentido de preparar um cadastro tendo em vista a centralidade da questão fundiária. Em vez de dar títulos de terra, poder-se-ia fazer concessões de terra condicionadas a determinados comportamentos. O problema é que todos os atores na Amazônia (pecuaristas, madeireiros, índios, pequenos produtores) querem, como primeira demanda, a presença do Estado, por motivações diferentes. Como segunda demanda desejam o zoneamento. Tais demandas expressam, por um lado, a necessidade de definição clara das regras do jogo, ou seja, do fortalecimento institucional e, por outro, a pertinência da sub-regionalização, porque as regiões têm finalidades próprias e problemas específicos. O Estado pode dialogar melhor com essas necessidades específicas, encontrar as parcerias necessárias e direcionar melhor os recursos para melhor atendê-las. 

Finalmente, mas não menos importante, a par do fortalecimento institucional e da regionalização, cabe à Ciência, Tecnologia e Inovação, papel primordial na sustentabilidade dos ecossistemas florestais, por sua importância econômica, social e política. 

A floresta só deixará de ser destruída se tiver valor econômico para competir com a madeira, com a pecuária e com a soja. Mesmo com os grandes avanços na sua proteção, a questão de manter a capacidade sustentável da floresta ainda não foi solucionada. Florestas e terras são bens públicos e, por isso, são trunfos que estão sob o poder do Estado, que tem autoridade para dispor deles, segundo o interesse da nação. Propõe-se, assim, uma verdadeira revolução científico-tecnológica para a Amazônia Florestal. 

O Brasil já efetuou três grandes revoluções tecnológicas: a exploração do petróleo em águas profundas; a transformação de cana-de-açúcar em combustível (álcool) na Mata Atlântica e a correção dos solos do cerrado, que permitiu a expansão da soja. Está na hora de implementar uma revolução cientifico-tecnológica na Amazônia que estabeleça cadeias tecno-produtivas com base na biodiversidade, desde as comunidades da floresta até os centros da tecnologia avançada. Esse é um desafio fundamental hoje, que será ainda maior com a integração da Amazônia sul-americana. 

Notas 

1 LBA é um vasto projeto de pesquisa coordenado pelo Brasil em parceria com a Nasa e, em menor escala a União Européia, denominado Large Scala Biosphere-Atmosphere Experiment in the Amazon. O Probem foi criado para implantar a pesquisa e desenvolver o uso da biodiversidade através do fortalecimento da biotecnologia. 

Bibliografia Básica 

BECKER, Bertha K. "Cenários de curto prazo para o desenvolvimento da Amazônia". Cadernos NADIAM, Brasília, MMA, 1999. 

_______. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro, Garamond, 2004. 

BOULDING, Keneth. "The Economics of Coming Space-ship Earth". Em: Environment Quality in a Growing Economy. Baltimore, John Hopkins, 1966. 

IIRSA. Iniciativa para implantação da infraestrutura regional da América do Sul. Brasília, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, MPOG, 2002. 

POLANYI, Karl. A Grande transformação. Rio de Janeiro, Campus, 1980.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA

A estrutura fundiária brasileira é historicamente concentrada. E isso significa que, tradicionalmente, poucas pessoas são donas de vastas extensões de terras enquanto a maioria da população não possui terras no Brasil.

Desde o início da colonização a implantação dos regimes de capitanias hereditárias e de sesmarias transferiu a posse de imensos latifúndios para os benfeitores da coroa portuguesa. O controle dessas terras por parte dessa elite latifundiária baseou-se na expropriação de nativos indígenas e no estabelecimento de plantations, um sistema agrícola monocultor, escravista e voltado para exportações praticado nesses latifúndios.

Com a proclamação da independência, em 1822, foi extinto o sistema de sesmarias permitindo a proliferação do mecanismo de posse e o aumento da violência no campo embasada na disputa por terras travada pelos latifundiários através de seus homens armados. Nesse contexto, ainda com a escravidão em vigor, a luta pela terra se travava, então, numa camada social elevada, a dos grandes proprietários de terras.  

Para evitar a expansão desses conflitos entre grandes posseiros, o Império aprovou, em 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras, regulamentada em 30 de janeiro de 1854, que restringia o acesso a terra pela compra. Excetuavam-se as terras dentro da faixa de 10 léguas dos limites do império, que poderiam ser doadas pelo governo, o que muito foi feito para fins de ocupação do interior e garantia de posse no caso de contestações futuras dos países vizinhos.

Mesmo com o fim da escravidão e a proclamação da república, os grandes latifundiários mantiveram grande poder político, o que impediu os avanços de qualquer discussão sobre a distribuição de terras. Somente nos anos 1950 e 60, em meio ao processo de modernização do Brasil nas cidades e nos campos, que a discussão sobre a reforma agrária ganha força a partir das reivindicações das ligas camponesas, nascidas no Nordeste. As ligas camponesas pediam reforma agrária “na lei ou na marra”, mas sucumbiram diante da repressão do regime militar. 

Os militares aprovaram o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964). Através dele foi criado o conceito de “Módulo Rural”, baseado na noção de “propriedade familiar”, definida como unidade de medida, expressa em hectare, que busca refletir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica do imóvel rural, a forma e as condições do seu aproveitamento econômico. Todos teriam direito à terra, mas, na prática, a reforma agrária não prosperou. 

Em 1979, a Lei nº 6.746, de 10 de dezembro daquele ano, altera o Estatuto da Terra determinando que a cobrança de impostos seja feita com base no número de Módulos Fiscais de cada propriedade. E define que o tamanho dos módulos fiscais é determinado por cada município em função do tipo de exploração predominante; da renda obtida na exploração predominante; de outras explorações existentes no Município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; e no conceito de propriedade familiar. 

Esse conceito de Módulo Fiscal é importante pois, com a Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, ele tornou-se referência para a classificação das propriedades rurais em quatro tipos, quais sejam: 

1 – Minifúndio: imóvel rural de área inferior a 1 (um) módulo rural; (Decreto n.º 55.891 de 31 de março de 1965 em seu art. 13, I, c/c o art. 6º, II); 

2 – Pequena Propriedade: imóvel rural de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais; 

3 – Média Propriedade: imóvel rural de área compreendida entre 4 (quatro) e 15 (quinze) módulos fiscais; 

4 – Grande Propriedade: imóvel rural de área superior a 15 (quinze) módulos fiscais. 

O processo de redemocratização foi importante para a retomada das lutas camponesas por reforma agrária. Sendo assim, em 1984, muitos camponeses reuniram-se em Cascavel, no Paraná, onde organizaram a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Desde então esse tem sido o principal movimento social em luta por reforma agrária no Brasil. De inspiração marxista e cristã-progressista, o MST nasce com o apoio da Pastoral da Terra.


Não obstante os muitos avanços legais e institucionais que concorrem para uma estrutura fundiária mais justa e menos concentrada, os conflitos no campo seguem intensos e marcados por alto nível de violência. Diversos atores sociais entre os quais os latifundiários, posseiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros, extrativistas, indígenas e quilombolas, seguem protagonizando disputas mortais pelo controle da terra. Chamou bastante atenção o genocídio dos índios Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, praticado por membros da agroindústria canavieira. 

Desde o início da política de assentamentos da reforma agrária, mais de um milhão e duzentas mil famílias já foram assentadas. Contudo, a terra não basta. Essas famílias precisam de assistência técnica, comercial e financeira para que sua produção possa viabilizar aquilo que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, preconiza como sua função primordial: o desenvolvimento de um campo com justiça social, produção de alimentos, trabalho, renda, cidadania e sustentabilidade econômica e ambiental. O desafio ainda é grande e os trabalhadores continuam na luta.