quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

RECONSTRUÇÃO JAPONESA OU O “MILAGRE JAPONÊS”

O Japão, no auge do seu processo de expansionismo territorial, que começou ainda no final do século XIX, na Era Meiji, envolveu-se na segunda guerra mundial e sofreu uma derrota marcante, que culminou com os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. O país ficou arrasado.

Era razoável considerar que tamanha destruição condenaria o país ao subdesenvolvimento por muitas décadas. Mas não foi assim que aconteceu. Em menos de 30 anos o país já tinha a segunda maior economia do planeta. Como isso aconteceu? É o que pretendemos explicar aqui.

Bandeira Imperial Japonesa

A reconstrução japonesa, ou o “milagre japonês”, contou com o acerto de políticas públicas, com o empenho e empreendedorismo do setor produtivo e com uma decisiva participação da sociedade. Era preciso organizar as finanças – ganhar mais e gastar menos – organizar a produção no campo, na indústria e no comércio e pensar no futuro.

Muitos fatores contribuíram relevantemente para a reconstrução do país destruído pela guerra. Apresentamos, na sequência, uma lista com os principais fatores, cada um acompanhado de uma breve explicação sobre sua importância para a realização do “milagre japonês”.

Plano Colombo

Criado em 1951 como um grupo de ajuda econômica para o desenvolvimento social dos países do sul e sudeste da Ásia, foi através do Plano Colombo que os japoneses receberam uma grande ajuda financeira dos Estados Unidos, que serviu aos trabalhos de reconstrução como a recuperação da infra-estrutura de energia, de transportes e de comunicações além da própria organização das finanças do Estado no pós-guerra. Os recursos eram menos volumosos que os destinados ao Plano Marshall, para reconstrução da Europa Ocidental, e foram contraídos e utilizados com cautela pois representavam um elevado endividamento para o país.

Reforma agrária

Após a guerra, o Japão ficou sob ocupação militar dos Estados Unidos, comandada pelo General Douglas Mac Arthur. Era necessário organizar e estimular a produção de alimentos além de gerar trabalho e renda para a população que sobreviveu ao conflito. A terra teve a sua propriedade parcelada, seu acesso facilitado, e a política agrícola implantada estimulou a produção, especialmente na porção norte do país, na ilha de Hokkaido, a parte menos urbanizada do Japão. O processo de reforma agrária, ocorrido em 1946, foi conduzido ainda sob o comando do General Douglas Mac Arthur. Todavia, com a modernização das técnicas agrícolas, a população se urbanizava cada vez mais, reduzindo a população economicamente ativa no campo e ampliando sua participação na indústria.

Reforma política democrática e liberalizante

Os americanos pretendiam conduzir uma reforma política que anulasse o expansionismo territorial japonês. Dessa reforma nasceu, em 1947, uma nova constituição que orientava a política nacional para rumos democráticos e liberais. Foi imposto o limite de 1% do PIB para gastos militares. A economia gerada pela redução dos gastos militares foi investida na área industrial.

Medidas protecionistas

Os Zaibatsu, poderosos grupos industriais e financeiros que tinham capitalizado o militarismo expansionista, foram dissolvidos legalmente após a segunda guerra mundial. No entanto, eles ressurgiram com novas personalidades jurídicas e valeram-se da tradicional coesão entre o Estado, as grandes indústrias e os bancos para crescer novamente, cercados de estímulos e proteções do governo, que combatia a concorrência com indústrias estrangeiras na disputa pelo mercado consumidor interno do país.

Sub-valorização cambial do iene

O Estado japonês desvalorizou, artificialmente, a sua moeda. Com essa medida ele tinha por objetivo forçar a obtenção de balanças comerciais favoráveis. Com o iene desvalorizado, os produtos japoneses tornam-se baratos fora do Japão e os produtos importados tornam-se caros dentro do Japão. Assim, o resultado é um alto volume de exportações e um baixo volume de importações, produzindo a balança comercial positiva. Como isso funciona?

Comparemos o iene com o dólar. Se um iene for igual a um dólar, um produto americano de 100 dólares custará, no Japão, 100 ienes. Do mesmo modo, um produto japonês de 100 ienes custará, nos Estados Unidos, 100 dólares. Vamos, agora, desvalorizar o iene. Ele não pode, portanto, continuar valendo um dólar. Tem que valer menos. Vamos supor que um dólar seja igual a dez ienes. Repare que o iene se desvalorizou. Antes, com apenas um iene era possível comprar um dólar. Agora são necessários dez ienes. A moeda se desvalorizou dez vezes.

Sendo assim, retomemos a comparação. Agora, aquele mesmo produto japonês que custava 100 ienes não custará 100 dólares mas apenas dez dólares. Ficou fácil exportar produtos do Japão para o mundo. Por outro lado, aquele mesmo produto que custava 100 dólares não custa mais apenas 100 ienes. Ele passou a custar 1000 ienes. Ficou muito mais caro! Por isso, ficou mais difícil importar produtos americanos no Japão. Exportando mais e importando menos, o Japão atingiu seu objetivo: formar uma balança comercial positiva e, com isso, a economia do país cresceu bastante.

Estímulo à produção em massa

Com condições econômicas capazes de estimular a exportação de forma agressiva, o Japão estimulou a produção em massa a fim de ampliar os mercados alcançados por seus produtos e incrementar os ganhos das atividades de produção para exportação.

Elevada poupança interna

O sistema previdenciário japonês enfrentava sérias dificuldades. Não era possível confiar nele. O acentuado déficit habitacional e a necessidade de economizar para arcar com os custos de moradia completam o quadro que estimulou a compressão do consumo e a elevação da poupança interna. Os investimentos financeiros da população na poupança eram convertidos pelos bancos em capitais para financiamento da inovação industrial nas empresas cujos bancos possuíam participação nas ações, ou seja, em seus ativos financeiros. A poupança do povo financiou a inovação.

Investimentos em educação, ciência e tecnologia

Olhando para o futuro, os japoneses viam que um posicionamento superior na Divisão Internacional do Trabalho (DIT) dependia do grau de ciência e tecnologia aplicado aos seus produtos. Isso porque, na transição da segunda para a terceira revolução industrial, a inovação tecnológica torna-se ainda mais importante para as indústrias na busca competitiva pelos mercados. E para isso era necessário investir em educação para a formação de mão-de-obra qualificada, e em ciência e tecnologia, para estimular a inovação.

Para isso, além do produto da poupança interna, conforme mencionamos acima, o Estado japonês investiu um significativo percentual do PIB do país nesses setores estratégicos. E o patronato japonês soube aproveitar a competência tecnológica de seus empregados. O resultado foi a transição do perfil do parque industrial de baixa tecnologia (têxtil, siderurgia, indústria naval) para um parque industrial de alta tecnologia (eletrônica de consumo, microeletrônica, informática e robótica) além da conquista de um mercado global por suas principais indústrias automobilísticas.

Exploração dos trabalhadores

A sociedade japonesa participou, decisivamente, da reconstrução do país. O alto contingente disponível de mão-de-obra gerou salários baixos. Mas o nacionalismo e a ética confucionista, que no dizer de Rosana Pinheiro-Machado "prima pelo trabalho árduo, poupança e perspicácia, família, harmonia e equilíbrio, frugalidade, autocontrole e a evitação de excessos", e valoriza a disciplina e o respeito à hierarquia, somaram-se ao quadro de exploração do trabalhador. Os operários recebiam pouco, tinham jornadas longas sem descanso, eventualmente não recebiam seus salários ou pelas horas extras trabalhadas e ainda assim eram muito assíduos e produtivos. Não faziam greves, não protestavam. Seus sindicatos eram fracos e sem importância política. Entendiam que esse era um esforço necessário para a reconstrução soberana do país.

Tiveram, durante muito tempo, em contrapartida, a garantia de emprego vitalício aos trabalhadores do sexo masculino até a aposentadoria, aos 55 anos. Esse direito foi instituído entre as duas grandes guerras e permitiu que os empregados não temessem inovar nos processos de trabalho e recebessem investimentos em sua qualificação por parte das empresas.

Mercado interno fortalecido

Com o tempo, esse modelo de exploração se esgotou, na medida em que o país crescia e se fortalecia. O poder aquisitivo cresceu e o povo japonês torna-se voraz consumidor das inovações produzidas no país, estimulando a continuidade do crescimento econômico japonês.

Toyotismo: um novo modelo industrial

É indispensável considerar que foi durante o processo da reconstrução japonesa que nasceu, como fruto da busca pela competitividade da produção industrial no Japão, o modelo toyotista de produção. Ele é marcado pela flexibilidade da produção; pelo rigoroso controle de qualidade sobre os produtos; pela busca da alta performance industrial (zero erro, prazo zero, zero enguiço etc.); pelo uso de trabalhadores qualificados e em menor quantitativo; pelo uso da robótica na produção para a automação de processos; pela produção sob demanda (“just in time”); pela polivalência dos operários com valorização do trabalho coletivo; e pela produção globalizada, ou seja, com etapas dispersas pelo mundo, com cada parte da produção implantada na área onde se encontram as maiores vantagens produtivas a cada etapa.

Por que esse modelo não funciona em qualquer país?

O “milagre japonês” possui características muito próprias. Ele estabeleceu após uma guerra. Os trabalhadores, com garantia de emprego vitalício, se submeteram temporariamente a níveis muito elevados de exploração de forma resignada e disciplinada. Possuíam forte racionalidade e competência tecnológicas. E desenvolveram um novo sistema de produção com elevada capacidade competitiva.

Ou seja, se o milagre é produto dessas e de outras condições que procuramos explicitar aqui, seria necessário aplicar todas essas condições em um outro país para que o “milagre japonês” pudesse ser reproduzido, o que seria praticamente impossível de se realizar.

Esse é o exemplo do Japão: organizar a economia e a produção com alguma ajuda estrangeira; reestruturar a política interna e externa; investir em educação, ciência e tecnologia; criar um novo modelo de produção; tudo isso contando com os valores nacionalistas, a disciplina, o respeito à hierarquia, a qualificação profissional e a competência tecnológica de sua população, foram passos decisivos para a recuperação do país.

Pois foi essencialmente com essas características que o Japão deixou a condição de país arrasado pela guerra e pelos ataques nucleares para se consolidar, em pouquíssimo tempo, como uma das maiores economias do mundo e uma das principais potências tecnológicas do planeta.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

GENTRIFICAÇÃO: CONCEITO E O EXEMPLO DA "NOVA LUZ"

Os estudos sobre "gentrification", termo acadêmico usualmente traduzido para o português como "gentrificação", já têm quase 50 anos e não são mais tratados exatamente como uma novidade. No entanto a quantidade de exemplos desse processo cresceu rapidamente nos últimos anos despertando maior atenção para o fenômeno e demandando uma maior difusão dos elementos quen compõem esse processo.

A gentrificação é, essencialmente, um processo de enobrecimento do espaço urbano a partir da renovação dos elementos que compõem o espaço tais como construções, parques, praças, comércio, equipamentos de diversão, cultura, arte etc. Ocorre, geralmente, nas áreas centrais das cidades que apresentam maior grau de degradação dessa parcela do espaço urbano, tendo, consequentemente, construções abandonadas, invasões, cortiços etc. aglomerando população de baixa renda.

Normalmente os projetos urbanos que conduzem à gentrificação são apresentados como projetos de "revitalização". O termo sugere a falta de "vida" própria nos lugares renovados explicando, assim, por quê tal projeto seria indispensável ao espaço, atribuindo-lhe uma dimensão positiva.

De fato, renovar o espaço, melhorando, ampliando e modernizando suas infraestruturas, será sempre muito bom para as pessoas que vivem nesse espaço, desde que, para que as melhorias acontençam, elas não tenham que ser removidas de lá, ou que percam condições de seguir se sustentando naquela localidade em função do aumento dos custos de vida após as reformas.

No entanto, inevitavelmente é isso que acontece nos processos de gentrificação: se os moradores tradicionais não são removidos pela arbitrariedade do poder público, acabam saindo ao longo desse processo pela força do capital imobiliário e sua especulação que eleva os preços dos aluguéis e da aquisição de moradias.

No início de 2011 tive a oportunidade de falar um pouco sobre esse tema para os vestibulandos que consultam o site g1.com.br e alertar sobre a difusão desse conceito e a possibilidade de ele ser cobrado nos vestibulares. No final do ano a PUC-Rio cobrou o tema (veja o link) em uma de suas provas específicas de Geografia. Você pode assistir a essa mini-aula aqui, no site do g1, ou aqui, no YouTube.

Citei, na aula, Rio de Janeiro e São Paulo como principais cidades brasileiras onde o processo é obsevado. Disse ainda, que, no Rio, a principal região é a Lapa e, em São Paulo, o processo é mais evidente no entorno da Praça da Sé. Aproveito esta oportunidade para completar esse quadro de gentrificação nas duas maiores cidades brasileiras.

No Rio de Janeiro, uma outra área que vive a gentrificação é a Zona Portuária, onde a prefeitura da cidade executa um projeto chamado "Porto Maravilha". Baseia-se, exatamente, na demolição de algumas construções antigas, reordenamento das vias de circulação (com destaque para a demolição do elevado da perimetral), e na abertura de espaços para novas construções, sendo que alguns terrenos tiveram seus gabaritos ampliados para permitir construções de até 50 andares.

Já em São Paulo, o projeto de "revitalização" indutor da gentrificação é o "Nova Luz". Nesse projeto, 33% da área construída será completamente demolida, processo que já começou e deve avançar nos próximos anos. O bairro da Luz, que abriga um elevado número de pessoas de baixa renda, ganhou o apelido de "cracolândia", em função da presença de usuários de crack pelas ruas do bairro.

Tanto o fenômeno em si (a presença de viciados) quanto a difusão na mídia do apelido pejorativo ajudam a desvalorizar ainda mais o bairro atendendo aos interreses do capital imobiliário que pretende se apropriar dos terrenos a preços baixos, e negociá-los, após a renovação, a preços elevados.

É natural que zonas centrias sejam atrativas para a classe média que pretende morar perto do trabalho, especialmente em cidades congestionadas. No Rio, um condomínio lançado na Lapa, em 2005, vendeu todas as suas 688 unidades em 2 horas, valendo-se de sua presença no centro e da tradição do espírito boêmio do bairro.

Processo muito semelhante deve acontecer na Nova Luz. Dos prédios degradados, das ocupações irregulares e dos cortiços, devem sair milhares de pessoas que serão conduzidas a tentar moradia nas periferias distantes da cidade ou ao desabrigo. Elas não terão condições de continuar participando da vida no novo bairro que vai surgir, por sua condição social.

Uma alternativa para isso é a efetivação das chamadas ZEIS, Zonas Especiais de Interesse Social, que, são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária, de acordo com a definicão dada pela prefeitura de Recife, cidade pioneira na proposição dessas zonas (ver link).



Previstas como intrumento de política urbana no Estatuto da Cidade, de 2001, essas zonas garantem que os projetos de modernização e "revitalização" incluam a construção de moradias populares. Desse modo, a população pobre não seria completamente apartada do convívio no lugar.

Uma excelente abordagem sobre o caso do projeto Nova Luz você pode ver no vídeo a seguir.




LUZ from Left Hand Rotation on Vimeo.


P.S.: Uma tese interessante sobre a Gentrificação em cidades históricas menores, escrita pelo Mestre em arquitetura Gustavo Pimenta de Pádua Zolini, pode ser encontrada aqui. Clique para ver!