A estrutura fundiária brasileira é historicamente concentrada. E isso significa que, tradicionalmente, poucas pessoas são donas de vastas extensões de terras enquanto a maioria da população não possui terras no Brasil.
Desde o início da colonização a implantação dos regimes de capitanias hereditárias e de sesmarias transferiu a posse de imensos latifúndios para os benfeitores da coroa portuguesa. O controle dessas terras por parte dessa elite latifundiária baseou-se na expropriação de nativos indígenas e no estabelecimento de plantations, um sistema agrícola monocultor, escravista e voltado para exportações praticado nesses latifúndios.
Com a proclamação da independência, em 1822, foi extinto o sistema de sesmarias permitindo a proliferação do mecanismo de posse e o aumento da violência no campo embasada na disputa por terras travada pelos latifundiários através de seus homens armados. Nesse contexto, ainda com a escravidão em vigor, a luta pela terra se travava, então, numa camada social elevada, a dos grandes proprietários de terras.
Para evitar a expansão desses conflitos entre grandes posseiros, o Império aprovou, em 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras, regulamentada em 30 de janeiro de 1854, que restringia o acesso a terra pela compra. Excetuavam-se as terras dentro da faixa de 10 léguas dos limites do império, que poderiam ser doadas pelo governo, o que muito foi feito para fins de ocupação do interior e garantia de posse no caso de contestações futuras dos países vizinhos.
Mesmo com o fim da escravidão e a proclamação da república, os grandes latifundiários mantiveram grande poder político, o que impediu os avanços de qualquer discussão sobre a distribuição de terras. Somente nos anos 1950 e 60, em meio ao processo de modernização do Brasil nas cidades e nos campos, que a discussão sobre a reforma agrária ganha força a partir das reivindicações das ligas camponesas, nascidas no Nordeste. As ligas camponesas pediam reforma agrária “na lei ou na marra”, mas sucumbiram diante da repressão do regime militar.
Os militares aprovaram o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964). Através dele foi criado o conceito de “Módulo Rural”, baseado na noção de “propriedade familiar”, definida como unidade de medida, expressa em hectare, que busca refletir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica do imóvel rural, a forma e as condições do seu aproveitamento econômico. Todos teriam direito à terra, mas, na prática, a reforma agrária não prosperou.
Em 1979, a Lei nº 6.746, de 10 de dezembro daquele ano, altera o Estatuto da Terra determinando que a cobrança de impostos seja feita com base no número de Módulos Fiscais de cada propriedade. E define que o tamanho dos módulos fiscais é determinado por cada município em função do tipo de exploração predominante; da renda obtida na exploração predominante; de outras explorações existentes no Município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; e no conceito de propriedade familiar.
Esse conceito de Módulo Fiscal é importante pois, com a Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, ele tornou-se referência para a classificação das propriedades rurais em quatro tipos, quais sejam:
1 – Minifúndio: imóvel rural de área inferior a 1 (um) módulo rural; (Decreto n.º 55.891 de 31 de março de 1965 em seu art. 13, I, c/c o art. 6º, II);
2 – Pequena Propriedade: imóvel rural de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;
3 – Média Propriedade: imóvel rural de área compreendida entre 4 (quatro) e 15 (quinze) módulos fiscais;
4 – Grande Propriedade: imóvel rural de área superior a 15 (quinze) módulos fiscais.
O processo de redemocratização foi importante para a retomada das lutas camponesas por reforma agrária. Sendo assim, em 1984, muitos camponeses reuniram-se em Cascavel, no Paraná, onde organizaram a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Desde então esse tem sido o principal movimento social em luta por reforma agrária no Brasil. De inspiração marxista e cristã-progressista, o MST nasce com o apoio da Pastoral da Terra.
Não obstante os muitos avanços legais e institucionais que concorrem para uma estrutura fundiária mais justa e menos concentrada, os conflitos no campo seguem intensos e marcados por alto nível de violência. Diversos atores sociais entre os quais os latifundiários, posseiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros, extrativistas, indígenas e quilombolas, seguem protagonizando disputas mortais pelo controle da terra. Chamou bastante atenção o genocídio dos índios Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, praticado por membros da agroindústria canavieira.
Desde o início da política de assentamentos da reforma agrária, mais de um milhão e duzentas mil famílias já foram assentadas. Contudo, a terra não basta. Essas famílias precisam de assistência técnica, comercial e financeira para que sua produção possa viabilizar aquilo que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, preconiza como sua função primordial: o desenvolvimento de um campo com justiça social, produção de alimentos, trabalho, renda, cidadania e sustentabilidade econômica e ambiental. O desafio ainda é grande e os trabalhadores continuam na luta.
Um comentário:
Obrigada por compartilhar esse assunto! Me ajudou muito a estudar.
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