quarta-feira, 26 de março de 2008

ECOMALTHUSIANISMO E OUTRAS TEORIAS DEMOGRÁFICAS

O Ministro da Igreja Anglicana Thomas Robert Malthus publicou na Inglaterra o Ensaio sobre o princípio de população, no ano de 1798, e esta obra tornou-se uma referência para o estudo da demografia no século XIX. Em sua essência o texto tinha como preceito o fato de que a produção de alimentos crescia em Progressão Aritimética (PA) e a população mundial crescia em Progressão Geométrica (PG). Sabe-se que o crescimento em PG é muito mais rápido que o em PA, portanto, para Malthus, tal tendência demográfica seria responsável pela situação de fome de parte da população. No entanto tais preceitos são absolutamente falsos e a teoria do ministro, portanto, também o é.

Crendo na exatidão de seus preceitos, o religioso apresentou o problema à sociedade em sua obra e nela também propôs soluções. Dentre elas destacam-se várias formas de controle da natalidade como a abstinência sexual, o casamento tardio (pressupõe-se o sexo liberado apenas após o matrimônio) e o celibato. Nota-se que todas as propostas são permeadas de alguma forma por um caráter religioso que Malthus impôs ao seu discurso pretensamente científico. Cabe considerar que além dos crescimentos da produção de alimentos e populacional não ocorrerem em PA e PG respectivamente, a teoria malthusiana não vislumbrou as transformações intensas que o processo de produção agrícola sofreu e que elevaram sua produtividade. Hoje o mundo produz alimentos suficientes para alimentar quase o dobro da população mundial, e a fome persiste. Onde está o erro?

Na distribuição desigual, é claro.

Já no século XX surge o Neomalthusianismo com intuito de justificar a desigualdade da Divisão Internacional do Trabalho (DIT). Na DIT Clássica os países centrais exportavam produtos industrializados para os países periféricos e recebiam matérias-primas destes. A enorme diferença no valor das produções desses dois grupos de países manteve as riquezas concentradas nos países industrializados e altamente desenvolvidos. A relação comercial dos países periféricos é desvantajosa pois eles compram produtos caros e vendem produtos baratos e essa situação limita as possibilidades de desenvolvimento desses países. Para mascarar esse processo é que surge a Teoria Neomalthusiana.

Ela afirma que os países periféricos são pobres pois sua população é muito grande e consome seus escassos recursos. É fácil acreditar nessa idéia quando se compara o Reino Unido ou a Alemanha com a China ou com a Índia. Os países europeus altamente desenvolvidos possuem populações muito menores do que a destes países asiáticos, que apresentam quadros sociais péssimos com altos níveis de pobreza. Mas se compararmos Brasil e Estados Unidos, vemos que o nível de desenvolvimento norte-americano é maior e sua população também. Ou seja, o problema não está no tamanho da população brasileira e sim na desigualdade, no abismo econômico que separa esses dois países.

É semelhante ao que se diz das famílias pobres com muitos filhos. Se uma família tem renda média de um salário mínimo e é formada por dez filhos, a família é pobre. E se uma família com a mesma renda tiver apenas um filho? Será pobre também, pois um salário mínimo é pouco para a sobrevivência de uma pessoa, quanto mais de uma família com pai, mãe e um filho. O problema é ter muitos filhos? Não. O problema é a família não ter acesso a renda. É claro que as condições de vida tendem a piorar com mais pessoas, mas, se for atingido um certo ponto de pobreza, não faz diferença se há um filho ou dez. Todos terão condições péssimas de sobrevivência. A única diferença é que temos mais pessoas sofrendo pela miséria.

O discurso neomalthusiano impõe aos países pobres a culpa pela própria pobreza e esconde os limites impostos pela DIT injusta ao desenvolvimento deles. E ainda propõe um forte controle de natalidade, o que estimulou, inclusive, o envio de equipes técnicas preparadas para ensinar o planejamento familiar e praticar cirurgias de esterilização feminina. Sabe-se que em alguns casos tais cirurgias eram feitas sem o consentimento das pessoas, das famílias. Algo imposto, violando as liberdades pessoais e o direito de escolha. É para criticar essa visão neomalthusiana e suas recomendações que surge a teoria reformista, cujo preceito principal é a idéia de que a DIT injusta é responsável pelo subdesenvolvimento.

No final dos anos sesenta, paralelamente à emergência da ecodiplomacia, que visa discutir entre os países as questões de caráter ambiental, surge o Ecomalthusianismo. Essa teoria foi defendida pelo Clube de Roma, formado por cientistas, economistas e funcionairos governamentais de alto escalão, e baseia-se na idéia de que o sistema global é formado por recusrsos finitos em acelerado processo de desgaste diante do crescimento populacional e das demandas produtivas do mundo contemporâneo. A lógica é que quanto maior é a população, maior o consumo dos recursos naturais.

Tendo em vista tal lógica, o Clube de Roma propôs o controle da natalidade nos países de maior crescimento populacional - leia-se países da América Latina, África e Ásia. Além disso propôs uma mudança estrutural da economia que deveria passar de uma economia de produção para uma economia de serviços. E é exatamente quando recomenda o controle da natalidade nos países pobres que a teoria perde sua lógica pois deve-se considerar as desigualdades no padrão de consumo entre os países centrais e os periféricos.

Tomemos por exemplo a questão da água, que é um recurso estratégico. A Organização Mundial de Saúde recomenda o consumo diário de 80 litros por pessoa/dia para ingestão, higiene pessoal e doméstica, e para o preparo de alimentos. No Quênia o consumo médio é de 5 litros por pessoa/dia, a mesma média de água utilizada diariamente pelos norte-americanos para lavar carros e regar jardins. Sabe-se que o crescimento vegetativo da população do Quênia é bem maior do que o dos Estados Unidos, mas será que foi esse crescimento que gerou tamanha diferença no consumo de água entre os dois países?

Não. A infra-estrutura implementada e o desperdício norte-americano é que elevam o consumo por pessoa/dia de sua população. Portanto não é necessário controlar a natalidade no Quênia pois não é lá que está o consumo excedente. Deve-se reduzir, todavia, o desperdício da sociedade norte-americana. Mais uma vez o problema não é demográfico.

Ou seja: Malthusianismo, Neomalthusianismo e Ecomalthusianismo são teorias demográficas que impõem as responsabilidades sobre a fome, o subdesenvolvimento e o desastre ambiental mundial, respectivamente, sobre as famílias e países pobres, e defendem que são estes que devem controlar suas taxas de natalidade. No entanto esquecem-se de avaliar a desigualdade existente na distribuição dos recursos alimentares, financeiros e no consumo dos recursos naturais, que é alto nos países centrais e limitado nos países periféricos. A questão resolve-se, portanto, ao se compreender que é a distribuição desigual dos recursos que gera tais diferenças entre os países.

Um comentário:

Jomo disse...

Meus mais sinceros "muito obrigado"
consegui tirar a pedra no caminho da compreensão q liga as tres teorias.

é minha primeira vez no blog, e ja virei fã, crtl+D nele