domingo, 20 de abril de 2008

O NACIONALISMO DOS QUEBECOIS

Como resultado da Guerra dos Sete Anos, os franceses perderam vastas extensões de terras na América do Norte para os ingleses que passaram a colonizar a região. Não bastassem os conflitos que envolveram esses dois países na Europa, a rivalidade deixou marcas, percebidas até os dias atuais, fora do continente de origem, especialmente no Canadá.

Mesmo depois da derrota naqueles idos do século XVIII, mais de seis mil franceses permaneceram em solo canadense submetendo-se ao domínio inglês. Concentrados na atual província de Quebec, eles resistiram à dominação cultural e religiosa, mantendo o uso da língua francesa e preservando o catolicismo, em oposição ao uso da língua inglesa e ao protestantismo anglicano disseminados naquele território.

Em 1960 os seis mil franceses já tinham se transformado em mais de seis milhões correspondendo a aproximadamente 80% da população de Quebec. Em 1977, o idioma francês foi adotado como oficial nas escolas, na atividade comercial e na administração local, na época sob o comando do separatista Partido Quebequense. Em 1980 foi proposta uma associação soberana para Quebec com unidade monetária e aduaneira, descartando a idéia de uma separação unilateral, no entanto o plebiscito realizado naquele ano rejeitou tal proposta por 59,5 contra 40,5% dos votos.

Em 1994, o governador eleito Jacques Parizeau, membro do Partido Quebequense, assumiu o compromisso de converter Quebec num Estado soberano. Por solicitação do partido um novo plebiscito foi realizado no dia 30 de outubro de 1995, no entanto a separação foi rechaçada por 50,5 contra 49,5% dos votos. Mesmo com essa expressiva votação a favor da separação a ameaça de secessão quebequense retrocedeu em 1996 diante da transferência de poderes feita pelo governo central às províncias com intuito de minimizar as tensões separatistas no país.

Contudo, é comum o fortalecimento desses movimentos separatistas quando o país se encontra em contexto de crise econômica. As crises atingem de forma mais negativa os quebecois e não há nada que impeça a evolução desse processo separatista já que a questão não está plenamente resolvida. A qualquer momento um novo plebiscito pode ser proposto e o resultado pode ser diferente.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

RORAIMA: NOVA FRONTEIRA AGRÍCOLA

Em meados do ano passado comecei uma aula sobre a Amazônia de maneira um tanto inusitada. Cheguei pontualmente às sete horas da manhã de uma terça-feira em Niterói, juntamente com o amigo Simas, e entrei em sala sem sequer dar um bom dia. Turma já razoavelmente cheia, eu senti uma vontade enorme de dizer as primeiras palavras recitando o seguinte poema de Mário de Andrade:

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Descobrimento.

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friume por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido,
Com o livro palerma olhando pra mim

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
[Muito longe de mim]
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro, de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou. Está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu...

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Anunciando de maneira poética que o espaço que seria nosso objeto de estudo naquele dia era dotado de distanciamento profundo em relação à nossa realidade, apesar de se tratar de Brasil. Era isso que eu estava fazendo.

No final da aula fui procurado por uma aluna que disse ser do estado de Roraima e que estava no Rio para estudar. Ela veio me dizer que sentiu repetidas vezes esse distanciamento na pele. O Brasil que vemos na mídia é o Brasil do Centro-Sul e do litoral do Nordeste, no máximo. Se dependesse do Manoel Carlos, só conheceríamos o Leblon. O povo de Roraima não se vê como parte desse Brasil retratado nos meios de comunicação. A aluna me disse que, quando falava para as pessoas que viria para o Rio, ouvia várias vezes a seguinte questão:

“Ih! Você vai pro Brasil?”.

Eu pergunto: o que é isso? Como é possível? Mas será que eles estão errados?

Isso, ao meu ver, é o retrato da nossa ignorância em relação a essa região que há alguns anos não era sequer considerada um estado e sim apenas um território federal. Confundido com Rondônia de maneira execrável e comum, Roraima é um lugar que não recebe a mínima atenção da suprema maioria dos brasileiros. E é por repúdio a essa falta estúpida de senso de brasilidade que hoje estamos aqui pra falar de Roraima.

Além disso, registro também, as saudades de um grande amigo de infância, suburbano como eu, nascido num miolo entre Vila da Penha, Vista alegre e Irajá, cujo sonho de tornar-se piloto de caça da Força Aérea Brasileira, eu vi tornar-se realidade. Hoje, o tenente-aviador Ferry, meu amigo Daniel Simões, está em Roraima a trabalho, voando os céus de Boa Vista, Amajari, Bonfim, Caracaraí, Iracema, Normandia, Rorainópolis e Uiramutã, onde fica o Monte Caburaí, ponto extremo ao norte do Brasil. Tudo isso depois de casar-se com a querida amiga Marina.

Falaremos de Roraima no tocante ao avanço da fronteira agrícola no estado. Mas, antes, vamos a uma breve introdução ao processo de expansão da fronteira agrícola em âmbito nacional.

A capitalização das relações de produção no campo brasileiro é um processo iniciado no fim da década de 1950, estabelecendo-se mais claramente no período entre as décadas de 1960 e 1970. Entende-se por capitalização das relações de produção no campo a chegada de recursos técnicos que contribuem para a elevação da produtividade das atividades rurais. Todo tipo de insumos (fertilizantes, pesticidas, sementes especiais, máquinas) passa a ser utilizado no campo capitalizado do Brasil.

Esse processo, no entanto, apesar dos benefícios gerados pelo aumento da produtividade, foi bastante nocivo a uma grossa parcela de pequenos e médios proprietários rurais. Na maior parte dos casos os produtores foram à falência por endividamento com o sistema de crédito bancário.

Com a chegada da modernidade, os agricultores buscaram adquirir os insumos para implantar nas suas produções, objetivando melhorar a qualidade e aumentar a quantidade dos seus produtos. Contudo, a compra das novidades, em geral, se processa através de crédito bancário, já que a maioria dos produtores não tem dinheiro suficiente pra bancar sozinhos a compra desses insumos, que eram importados. Nesse contexto, eles passam a produzir com um risco muito maior, pois, de maneira geral, a garantia de pagamento do empréstimo era feita com a hipoteca da terra. Se o agricultor não pagasse a dívida, perdia sua propriedade. Em muitos casos, foi exatamente isso o que acabou acontecendo, gerando mais concentração fundiária do que já havia no Brasil.

A política agrícola nacional, nesse período entre as décadas de 1960 e 1970, também estimulou a concentração de terras, principalmente na região Sul do país. Lá, a produção era voltada para o mercado interno (celeiro do Brasil), o que ia de encontro com a política do “Exportar é o que importa”. O governo queria que aquelas terras produzissem para mercado externo. Então, forçou o endividamento dos produtores que acabaram falindo em, parte dos casos. Suas terras, depois de controladas por empresas agrícolas, passaram a produzir para mercado externo, como desejava o governo.

Esses agricultores foram conduzidos ao interior do Brasil, acelerando o processo de expansão da fronteira agrícola. Apesar do latossolo ácido que caracteriza o Cerrado, e que precisa de correção pela calagem, os preços da terra eram tão baixos que atraíram vários produtores que foram tentar a vida no interior do país. É bastante comum encontrar em estados como Mato Grosso, Goiás e Rondônia, pessoas que descendem de colonos imigrantes que haviam se instalado na região Sul. Sobrenomes como Vebber, Nucci, Scheidt, Pizzonia, entre outros presentes na região, comprovam essa ascendência européia.

E assim, nos últimos 30 anos, as lavouras de soja, milho, algodão e girassol, entre outras, se expandiram, dominando a paisagem amarelada do Cerrado. E essa expansão continua, avançando perigosamente sobre a orla do domínio amazônico, acelerando o processo de desmatamento.

Porém esse crescimento vem atingindo recentemente outros espaços menos comentados como o estado de Roraima. Com apenas 15 municípios, uma capital com aproximadamente 250 mil habitantes e com terras muito baratas, aumenta a cada dia o número de pessoas que buscam seu eldorado nesse trecho de Brasil que está entre 0º e 5º de latitude no hemisfério norte. Para que se tenha uma idéia de preço, em Roraima, na periferia de Boa Vista, o valor das terras em 2002 era de aproximadamente R$ 50 por hectare, enquanto em Rio Verde/GO o valor chegava a R$ 12.000. A acelerada valorização de Roraima fez com que os preços no final de 2005 atingissem a casa de R$ 1.000 por hectare, o que, no entanto, ainda é uma pechincha perto de Rio Verde.

Apesar da latitude equatorial, a paisagem é o Lavrado, forma regional de denominação do Cerrado. Uma espécie de capim ralo chamado ‘furabucho’, que predomina na paisagem, permite que o plantio seja feito de maneira direta e exige menos gastos para a correção do solo. Além disso, a produtividade da terra é elevada. Produtores da região estão obtendo safras com produtividade por área acima da média nacional. A maior proximidade com o hemisfério norte aumenta a competitividade dessas terras, podendo, o escoamento da produção, ser feito tanto por rodovia até os portos da Venezuela e da Guiana, como por hidrovia através do terminal de Itacoatiara, que fica a 36 km de Manaus.

Sem dúvida são profundas as metamorfoses espaciais que se passam no estado de Roraima. Efetivamente, o território caracteriza-se, hoje, como uma fronteira agrícola em vigoroso processo de expansão.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

DIFUSÃO DO ISLÃ

Foi numa gruta do Monte Hira que Maomé recebeu a mensagem essencial do Arcanjo Gabriel, no momento definido pela tradição islâmica como a Noite da Revelação ou Noite do Destino: “Só há um Deus, que é Alá, e Maomé é o seu profeta”. Daí em diante o profeta passou a pregar entre seus familiares, que pertenciam ao clã hashemita, um dos clãs pobres que integravam a tribo dos coraixitas que governava a cidade de Meca, onde ele nasceu. Como foi casado com a viúva de um rico comerciante, acredita-se que ele tenha assumido os negócios e assim entrado em contato com judeus e cristãos, conhecendo-lhes as crenças.

O profeta passou a pregar, também, para os mais humildes, conquistando novos adeptos. Para evitar a eternidade no inferno, os seguidores de Maomé passaram a cumprir os fundamentos da nova fé, orando pelo menos cinco vezes ao dia e buscando ser benevolentes, visando a conquista de um lugar no paraíso pelo julgamento de Alá, depois do fim do mundo.

Os seguidores da religião são chamados de Muslim, palavra árabe que significa “aquele que se submete, o crente”, e a própria religião chama-se Islã, palavra árabe que significa “submeter-se”. A reza agachada é uma forma de negar a arrogância, o egoísmo e o orgulho, além de servir para vivificar no espírito o sentimento de submissão absoluta a Deus. A religiosidade da Arábia era marcada pelo politeísmo e o culto aos astros e às pedras sagradas. No templo da Caaba, em Meca, incrustada em uma das paredes, fica a pedra sagrada mais importante, motivo de orações e romarias antes mesmo do advento do islamismo.



A Caaba, em Meca. Ao redor da Pedra Sagrada surge a mesquita.


Em pouco tempo as pregações começam a atingir os comerciantes e a nobreza. Os sacerdotes dos cultos dominantes, com o apoio dos mercadores abastados estimulam a perseguição aos seguidores do profeta. Maomé foge de Meca para Yatrib, em 622 d.C., sendo esse o marco inicial da difusão do islamismo. Como o profeta ampliou sua autoridade a partir de Yatrib, a cidade passou a ser chamada de Medina, que significa “a cidade do profeta”. Como dissemos aqui num texto sobre o festejo de ano novo ( leia aqui ), o próprio calendário islâmico tem sua origem marcada nesse evento. Segue citação do texto, que inclui informações sobre o ano novo judaico, islâmico, chinês e hindú, escrito em janeiro deste ano:

“O calendário Islâmico tem sua contagem iniciada a partir da hégira (fuga) de Maomé, de Meca para a Medina, ocorrida no dia 16 de julho de 622 do calendário gregoriano. O reveillon muçulmano acontecerá no próximo dia 20 de janeiro (do nosso 2007), quando eles, que já são quase 1,3 bilhão, e crescendo, festejarão a chegada do dia 1º de Muharram (primeiro mês islâmico) do ano de 1428”.

De 622 até 632, ano da morte do profeta, o islamismo é espalhado por toda a Península Arábica, tendo Maomé como chefe religioso, político e militar da comunidade muçulmana. Sua doutrina defendia a Jihad (Guerra Santa) afirmando que o combate que expande a fé visa a glorificação de Alá. E a promessa do paraíso aos que morrem combatendo pela fé vem desde essa época, fatos que explicam tamanha velocidade no processo de expansão.

Os quatro primeiros califas – sucessores do profeta – construíram um império vastíssimo, com unidade política centrada no islã. Entre 632 e 656 os califas encontraram um cenário perfeito para a expansão territorial do islã. O império Bizantino, o império Persa e o Estado Visigodo estavam enfraquecidos. Os exércitos árabes foram enviados para Palestina, Síria, Armênia, Mesopotâmia, Pérsia, Egito e Tripolitânia (norte da África). A expansão desse império não beneficiava somente as classes mercantil e urbana da aristocracia, mas a todos os que se convertessem ao islamismo. Conseqüentemente, todas essas regiões, incluindo a Palestina e a cidade de Jerusalém, foram conquistadas e islamizadas.

As disputas pela sucessão dos califados geraram a fragmentação do islamismo em seitas como os xiitas e os sunitas. Os xiitas são, originalmente, os membros do partido Xiat Ali – partido de Ali - defensores de um califa que seja obrigatoriamente descendente direto de Maomé. Os sunitas acreditam que o califa pode ser alguém que possua um profundo conhecimento sobre os preceitos do islamismo e que pratique o que está escrito nas Sunas. As sunas são livros que transcrevem o padrão de comportamento do profeta e dos quatro primeiros califas. Atualmente os sunitas representam 90% do mundo islâmico.

Em 661, os sunitas assumem o poder com Moaviá, que faz da sucessão um processo hereditário, inaugurando a dinastia dos Omíadas, e transfere a capital do império de Medina para Damasco. Essa dinastia expande o islamismo dominando todo o norte da África, do Egito até o atual Marrocos, a Pérsia, atingido até a região de Cabul no atual Afeganistão, o oeste da Península Indiana, no atual Paquistão e a Península Ibérica, antigo reino dos Visigodos, especialmente a área da atual Espanha.


Abrangência do Império Árabe (expansão omíada).

Em 750, a dinastia abássida assume o poder e transfere a sede do califado de Damasco para Bagdá. A língua persa passa a ser a segunda língua do império árabe. No entanto inúmeras dinastias independentes tomam o poder em áreas específicas e em muitas regiões o poder civil dos sultões e dos emires torna-se mais importante do que o poder religioso dos califas, o que denota o enfraquecimento e a fragmentação do império. Sultões são chefes militares muçulmanos e emires são responsáveis pela administração e segurança das cidades islâmicas. Em 1258 o império islâmico foi, então, fragmentado nos califados de Bagdá, Cairo e Córdoba.

Embora o império estivesse enfraquecido, a difusão da religião não foi interrompida, atingindo aos turcos da Ásia central e estes, no século XI, dominaram a Península da Anatólia, na Ásia Menor, onde seria fundada, no século XIV a dinastia otomana, que dominou vastas áreas do Império Bizantino e se expandiu em direção aos Bálcãs. Durante a expansão dos turcos islamizados, a cidade de Jerusalém foi alvo de diversas cruzadas cristãs que tinham o objetivo de assumir o controle da cidade sagrada, tirando-a das mãos dos muçulmanos. O controle da cidade alternou-se várias vezes entre cristãos e muçulmanos no período que vai de 1099 e 1291, ficando com os turcos muçulmanos a partir deste ano.

Em 1453, a antiga Bizâncio, fundada pelos gregos, e então Constantinopla, sede do império Bizantino, foi dominada pelos turcos otomanos que passaram a chamar a cidade de Islambol (Istambul), que significa “difusão do Islã”. Na Europa, os Espanhóis conquistam Granada em 1492 e expulsam definitivamente os árabes de seu último reduto no continente.

Daí em diante, a difusão do Islã segue em direção ao Oriente, na fronteira entre China, Índia e Paquistão; na Ásia Central, ao redor do mar Cáspio; e também no continente africano, no sentido Norte-Sul, atingindo o Sudão, no vale do Nilo, todo o Magreb, o Sahel (orla semi-árida do Saara), o Golfo da Guiné, em países como a Nigéria, Gana, Costa do Marfim, Benin, o Chifre da África, com parte da Somália, Eritréia e Etiópia, além de outras áreas ao sul como a faixa litorânea de Moçambique. Com base nesse processo de difusão do Islã, sabemos que a Palestina foi uma das primeiras áreas islamizadas no planeta, constituindo, também, um espaço que possui vínculos históricos e religiosos com os muçulmanos. Isso, somado aos vínculos do judaísmo com a mesma terra, corresponde ao fator básico que imprime as disputas claramente manifestadas na região atualmente.